VOCÊ NÃO É ANTIFASCISTA, VOCÊ É LIBERAL

Este ensaio é uma crítica contundente ao esvaziamento do antifascismo por discursos liberais que se dizem contra o fascismo, mas não enfrentam suas raízes ideológicas. Denuncia a superficialidade de posicionamentos que se limitam a repostagens ou estética de engajamento, enquanto ignoram a história dos símbolos e perdoam seus usos deliberados. O texto revela como muitos que se declaram “antifascistas” recusam rupturas reais com o sistema que alimenta o fascismo: o capitalismo. Aqui, o antifascismo é resgatado como prática radical, não como identidade de aparência.

POLÍTICAALTERNATIVO

Narah Verde

5/24/202575 min read

I.

Este ensaio nasce do incômodo, da decepção e do profundo desgaste provocado por atitudes de má-fé por parte de indivíduos que, até então, aparentavam partilhar dos mesmos princípios éticos e políticos que defendo. O que mais me surpreendeu foi perceber que as ações mais contraditórias partiram justamente de pessoas das quais eu menos esperava. Pessoas que se diziam comprometidas com a luta antifascista, mas que, diante de uma situação concreta, revelaram uma postura conivente, incoerente e, em certo grau, oportunista.

Recentemente, participei de uma colaboração com quatro outras pessoas da cena alternativa. O objetivo era direto, mas urgente: denunciar a presença e o crescimento de discursos nazistas e fascistas em espaços alternativos, além de oferecer argumentos consistentes para combater essa infiltração. Assumi voluntariamente a tarefa de elaborar o conteúdo teórico da denúncia, embasando-a nos estudos que venho desenvolvendo há anos sobre a subcultura gótica, suas origens políticas e sua relação com os processos de mercantilização cultural.

Aquela semana foi especialmente intensa. Mais de dez perfis foram expostos com provas contundentes de envolvimento com ideologias de extrema-direita. O ambiente tornou-se instável, denso, com sentimentos de insegurança e urgência atravessando os espaços que, até pouco tempo, eram vistos como refúgio político e estético.

Meu objetivo com a publicação era reforçar a necessidade de proteger nossos espaços e nos posicionarmos com firmeza diante do avanço da extrema-direita nesses meios. O fascismo, como sabemos, não é uma ameaça nova. Ele sempre esteve à espreita, especialmente em espaços alternativos, tentando se infiltrar sob a máscara da contracultura. A história dos movimentos alternativos revela inúmeras tentativas da extrema-direita de capturar, diluir e neutralizar os significados políticos desses movimentos, transformando-os em produtos consumíveis, desprovidos de criticidade. Infelizmente, esse processo de esvaziamento já está em curso há algum tempo — e o gótico, hoje, é frequentemente apropriado como mero produto estético, distante de sua essência subversiva.

Após a publicação da denúncia, ficou evidente o grau de fragilidade do compromisso político de algumas pessoas envolvidas. Ainda que tenhamos nos dedicado por horas à curadoria e exposição de conteúdos comprometidos com o combate ao fascismo, bastaram poucas horas para que uma parcela dos envolvidos perdoasse um dos indivíduos denunciados como simpatizante do nazismo. Não foram todos, é verdade, mas o gesto isolado, ainda assim, teve um impacto devastador.

Investi tempo e energia emocional na construção daquele material. Trabalhei sob pressão, dedicada a publicar dentro de um prazo curto, com a expectativa de que estávamos unidos em um compromisso coletivo real. Ver tudo isso sendo relativizado sob o pretexto de “cansaço emocional” ou “vontade de encerrar o assunto” foi profundamente frustrante. Uma das colaboradoras, inclusive, sugeriu que eu conversasse com o indivíduo denunciado, para ouvir seu “depoimento”. No impulso, cheguei a iniciar essa comunicação, mas rapidamente percebi que estava caindo em uma armadilha ideológica. Aquela não era uma postura antifascista. Era, na prática, um gesto de cumplicidade com o discurso que vínhamos tentando combater.

Diante da conivência generalizada, me questionei profundamente. Analisei meus próprios posicionamentos, revisitei meus estudos, reexaminei o conteúdo da denúncia. Foi um processo de reflexão rigoroso e necessário. E, ao final dele, tive certeza: minha recusa em perdoar não foi um ato de intransigência, mas de coerência política.

A sensação de isolamento foi inevitável. Senti-me feita de palhaça por manter uma posição firme enquanto outros suavizavam discursos em nome de uma suposta estabilidade coletiva. Foi nesse momento que compreendi, com mais clareza do que nunca, aquilo que já suspeitava: para certas pessoas, o antifascismo só existe enquanto não compromete seus laços afetivos, sua imagem pública ou seu conforto social. Quando exige ruptura, posicionamento contundente ou corte de vínculos, ele desaparece.

O antifascismo, nesses casos, não passa de uma performance. É uma identidade superficial, aplicada como adorno estético, mas que não resiste ao menor desafio prático. É um antifascismo domesticado, simbólico, neoliberal. E isso é não apenas ineficaz — é perigoso. Porque enquanto fingimos combater o fascismo de forma branda, simbólica e seletiva, ele continua se organizando, infiltrando-se e se fortalecendo, justamente através das brechas abertas por essa complacência.

II.

Antes de trazer uma crítica construtiva radical é essencial começar com uma autoanálise. Foi o que fiz. Revi tudo o que escrevi e publiquei nos meus stories no momento em que fui tomada pela fúria, logo após perceber que tinha sido feita de trouxa. Naquele instante, minhas palavras foram carregadas de revolta, e com razão. Eu disse:

Sim, eu removi geral da publicação collab de segunda. Fui a única que não se resolveu com os arrombados que foram expostos, e nem tô afim. Não quero manter relação “boa” com nazista ou fascista da cena alternativa. Ver todo mundo do collab em poucas horas entregando o perdão, me fez me sentir uma completa palhaça.

Eu passei 3h em imersão pra escrever texto, story, design, suspense, marketing, postar antes das 18h… E em algumas horas estavam lá: textinho de perdão. Vão tomar no cu de vocês. Ainda vieram na minha DM falar pra me resolver? EU NÃO VOU abaixar a cabeça para nazista ou fascista, igual vocês fizeram só para aliviar o estresse.

Eu fui a única da collab ameaçada de processo por nazista e vou manter minha posição. Se não for pra segurar o ódio e ainda dar perdão rápido, nem vem me cobrar. Para com essa palhaça de discurso antifascista se for para perdoar fascista. A cena tá uma merda por causa dessa frouxidão. Não contem com meu perdão. VÃO SE FODER BANDO DE COVARDE DO CARALHO.

Quando escrevi aquele trecho, foi o ódio que me atravessou. E não qualquer ódio gratuito ou impulsivo, mas um sentimento denso, político, nascido da frustração e do esgotamento. Era a consciência me pressionando com o peso do que havia presenciado. Eu estava genuinamente decepcionada com os acontecimentos e deixei que transbordasse em palavras duras. Sim, foram palavras movidas por raiva — mas por uma raiva consciente, necessária diante da gravidade do contexto. Afinal, qualquer pessoa que compreende minimamente os processos revolucionários sabe que o que move as massas, historicamente, é o ódio orientado pela consciência crítica e pelo desejo radical de transformação

Ainda assim, reconheço que cometi um erro naquele momento. Atribuí a todos os envolvidos a decisão de perdoar os nazistas, quando na verdade esse perdão foi direcionado a apenas um dos denunciados — aquele que, segundo argumentaram, teria apresentado “provas concretas” de arrependimento. Essas alegações, inclusive, serão examinadas mais adiante neste ensaio com a seriedade que o caso exige.

Apesar desse equívoco factual, mantenho firme a crítica central: a decisão de perdoar esse indivíduo, mesmo que isolada, representa um gesto simbólico de alinhamento com a lógica neoliberal. Talvez a palavra “covardia” nem seja suficiente para descrever essa postura. O que se viu foi, acima de tudo, uma adesão ideológica à estratégia do apaziguamento — típica do neoliberalismo — que busca a conciliação a qualquer custo, mesmo com aqueles que propagam discursos violentos e opressivos.

Não se trata de um simples erro pontual. Trata-se de uma forma de pensar e agir que se alinha diretamente com a manutenção da ordem, com o medo da ruptura e com a priorização do conforto coletivo, mesmo que isso custe a integridade política. É essa lógica que torna a esquerda neoliberal cada vez mais incapaz de enfrentar o fascismo com seriedade: porque se recusa a romper, a cortar, a assumir o conflito como parte inevitável da luta revolucionária.

Quero também reconhecer um segundo erro de minha parte. Em determinado momento, ao descrever minha indignação, incorri numa narrativa que soou vitimista. E isso não condiz com minha perspectiva de atuação política. Não sou vítima. Não estou aqui para buscar empatia ou acolhimento emocional. Estou aqui para denunciar, analisar e provocar. Assumir esse lugar de vítima foi uma falha, um reflexo de imaturidade diante da intensidade da situação.

O que eu deveria ter feito era canalizar aquele sentimento com mais estratégia e precisão. O ódio, quando politizado, pode ser uma ferramenta poderosa de crítica e enfrentamento. Mas, para isso, precisa ser organizado, articulado, transformado em análise e ação. Deveria ter escolhido minhas palavras com mais rigor, de modo a expressar minha revolta sem cair na armadilha retórica da fragilidade. Essa imagem de “coitada” não me representa e, ao revê-la, me reconheço distante da postura política que escolhi construir.

Sinto que, naquele momento, falhei com minha própria trajetória. Não porque expressei raiva — isso não é, em si, um erro —, mas porque não a transformei em crítica estratégica. Ao invés disso, cedi ao tom emocional desorganizado, e isso me fez parecer menor do que sou. Hoje, ao reler aquelas palavras, me percebo fraca, quase infantil, e distante da figura que busco ser: uma mulher radical, inteligente, que compreende a importância da firmeza e da responsabilidade naquilo que comunica.

Essa reflexão não serve para apagar o que escrevi, mas para posicioná-lo dentro de um processo mais amplo de amadurecimento político. A autocrítica, neste caso, não é sinal de fraqueza, mas de compromisso com a radicalidade honesta — aquela que não tem medo de reconhecer tropeços, desde que esses sirvam para aprofundar a luta.

III.

Precisamos analisar com seriedade as chamadas “provas concretas” que esse nazista apresentou — ou forjou — para convencer todas as pessoas envolvidas na colaboração a perdoá-lo.

É importante fazer um adendo: hoje, muitos nazistas tentam se isentar das acusações se baseando exclusivamente na imagem do nazismo da Segunda Guerra Mundial. Essa é uma estratégia intencionalmente reducionista. Precisamos entender que o nazismo — assim como o fascismo — evolui com o tempo e se adapta às necessidades do capitalismo. Eles mudam a linguagem, trocam de máscara, atualizam seus discursos e passam a defender outros interesses, mas o objetivo continua sendo atender às demandas da crise burguesa e manter a estrutura opressora intacta.


As “provas” que esse nazista apresentou foram o fato de ser negro, pansexual e candomblecista. Esse é um argumento extremamente raso, mas que infelizmente convenceu muitas pessoas que não estão atentas às estratégias do nazifascismo contemporâneo. Ele foi profundamente tokenista ao usar as minorias das quais faz parte como totem para defender o seu posicionamento — o que, na prática, não passa de um escudo argumentativo vazio.

O nazismo atual se molda a esses interesses para atrair mais pessoas. Essa é uma das novas estratégias de camuflagem do fascismo: se limitar à estética e à narrativa histórica da Segunda Guerra Mundial, ignorando que o nazismo evolui, se adapta e se alimenta das crises do capitalismo presente.

Um exemplo claro de que ser nazista hoje não depende de sexualidade, cor ou religião é o fato de o partido neonazista alemão ter quase eleito uma mulher lésbica. Isso tem um nome: homonacionalismo. O fascismo contemporâneo está disposto a incorporar indivíduos de minorias em seus quadros desde que esses sirvam aos seus interesses — é a tática de usar todos os totens possíveis para legitimar um projeto autoritário.

O tokenismo utilizado por esse nazista é extremamente perigoso — a ponto de conseguir convencer pessoas da cena alternativa de que ele não é nazista. Esse recurso é usado como escudo para encobrir o quão nocivas são suas interações dentro da sociedade. Ver pessoas caindo direitinho na armadilha do tokenismo é, no mínimo, deplorável.

E não é a primeira vez que vemos isso acontecer: Bolsonaro, por exemplo, usou pessoas negras, LGBTQIA+, indígenas e pessoas com deficiência como escudo para legitimar seus discursos fascistas. O que esse indivíduo está fazendo é exatamente a mesma coisa — é manipulação pura. E só cai nessa falácia quem ainda não compreende profundamente o que o nazismo realmente representa hoje.

O fascismo e o nazismo contemporâneos não se apresentam mais com os mesmos símbolos, palavras de ordem e visuais explícitos do século XX — e é exatamente por isso que se tornam ainda mais perigosos. Hoje, essas ideologias se camuflam por trás de discursos “libertários”, pseudocríticas ao sistema e até mesmo linguagens progressistas. Usam memes, estética alternativa, e discursos de "liberdade de expressão" para conquistar os desavisados. A ideia não é mais marchar com fardas e suásticas, mas infiltrar-se em espaços democráticos, culturais, acadêmicos e digitais, disfarçados de ceticismo político ou luta contra o “politicamente correto”. Assim, ganham espaço ao se venderem como uma nova rebelião contra o sistema — quando, na verdade, seguem sustentando as mesmas estruturas hierárquicas e opressoras.

Um dos principais mecanismos de camuflagem do fascismo atual é o apelo ao individualismo neoliberal, onde tudo se resume a “escolhas pessoais” e à meritocracia. Fascistas contemporâneos adotam uma linguagem que parece promover a liberdade, mas cujo objetivo real é esvaziar lutas coletivas e legitimar exclusões. Sob esse disfarce, o fascismo se reinventa como “defesa da liberdade”, como se a liberdade de um grupo oprimido existisse em igualdade com a liberdade de opressores — o que sabemos que é falso. Essa manipulação do conceito de liberdade é central para sua estratégia de recrutar pessoas que se sentem injustiçadas pelo sistema, mas que não têm uma compreensão crítica das estruturas que realmente os oprimem.

Além disso, o fascismo contemporâneo aprendeu a utilizar o tokenismo como arma retórica e de convencimento. Como mostrado no exemplo do homem negro, pansexual e candomblecista que se diz nazista, esses indivíduos se colocam como isentos de crítica por pertencerem a grupos historicamente marginalizados. Ao fazer isso, neutralizam denúncias e críticas sob a desculpa de que “não podem ser fascistas porque são parte das minorias”. Essa prática é extremamente perigosa porque serve para deslegitimar o conceito de fascismo como estrutura — transformando-o em algo puramente estético ou identitário, em vez de político e ideológico. O que importa para o fascismo não é quem você é individualmente, mas que você defenda ou normalize a manutenção da ordem opressora.

Outro aspecto fundamental da camuflagem fascista moderna é sua capacidade de simular oposição ao sistema, mesmo quando o seu projeto final é o endurecimento do autoritarismo. Muitos fascistas de hoje se apresentam como "antissistema", criticando governos, grandes corporações ou elites, mas não o fazem em nome de justiça social — e sim para promover ressentimento, polarização e ruptura democrática. Ao invés de propor alternativas emancipadoras, essas figuras oferecem bodes expiatórios, teorias conspiratórias e violência simbólica como solução. Essa é uma tática clássica de instrumentalização do caos: quando as pessoas estão perdidas, revoltadas ou sem horizonte, o fascismo surge como um porto seguro — com soluções simplistas para problemas complexos.

A camuflagem do fascismo na atualidade depende profundamente da normalização do absurdo. A ideia é repetir tantas vezes certos discursos de ódio, negação histórica ou relativização de crimes, que, eventualmente, as pessoas parem de se indignar. É nesse contexto que vemos piadas com o Holocausto viralizarem, memes racistas serem tratados como “humor ácido” e declarações autoritárias serem recebidas com risadas ou aplausos. Essa banalização é o terreno fértil onde o fascismo contemporâneo cresce: sem fardas, mas com curtidas. Sem campos de concentração explícitos, mas com prisões em massa, extermínio simbólico, fome, e apagamento cultural. Identificar e denunciar essas estratégias não é exagero, é uma questão de sobrevivência política e ética para quem ainda acredita em um mundo justo.

Esse nazista foi acusado de usar simbologia nazista e, em sua defesa, tentou trazer interpretações alternativas para justificar seu uso da cruz de ferro e das runas de vida e morte. Ele afirma que a cruz de ferro, na verdade, seria a cruz de Malta, usada pelos católicos. Mas depois de tudo o que a Igreja fez — inquisição, cruzadas, colonialismo, escravidão e catequização forçada — usar um símbolo ligado a ela não é algo neutro. O simbolismo não se separa da história, e escolher carregar isso no peito em pleno século XXI diz muito sobre o tipo de ideologia que se está disposto a tolerar, se não compactuar.

A cruz de ferro, mesmo não sendo originada pelo nazismo, foi amplamente apropriada por ele como um símbolo de honra militar e superioridade racial. Ela foi estampada nos uniformes, tanques e medalhas do Terceiro Reich, e continua até hoje sendo utilizada por grupos neonazistas como marca de identidade. Tentar limpar sua imagem com argumentos históricos é uma estratégia covarde — que esconde a real intenção de normalizar o uso de ícones que comunicam violência, hierarquia e autoritarismo.

E mesmo que fosse a cruz de Malta, como ele diz, o cenário continua sombrio. Essa cruz foi o emblema das Cruzadas — campanhas cristãs que massacraram povos em nome da fé, e que carregam uma das histórias mais genocidas da humanidade. Foi também símbolo usado por ordens religiosas como os jesuítas, que catequizaram indígenas e negros à força durante a colonização. Ou seja: trocar a cruz de ferro pela de Malta não torna ninguém mais inocente, só escancara o vínculo com outras formas históricas de dominação.

Não existe essa de “resgatar símbolos antigos” de forma apolítica. Toda escolha estética é um posicionamento. Quem usa esse tipo de símbolo está invocando a memória de projetos violentos e autoritários, ainda que tente disfarçar sob o discurso do resgate cultural ou religioso. E quando esse uso vem acompanhado de discursos nacionalistas, de ódio e de exclusão — como é o caso desse sujeito — o símbolo só confirma o que já está evidente: é nazismo com maquiagem medieval.

Esse nazista tenta justificar o uso das runas Lebensrune (runa da vida) e Todesrune (runa da morte) com a velha desculpa de que “são apenas símbolos pagãos” e que o nazismo teria “manchado” a reputação deles. Mas essa narrativa é desonesta — e histórica e simbolicamente equivocada.

A Lebensrune, por exemplo, foi apropriada explicitamente pelos nazistas como símbolo da “vida ariana”. Era utilizada em hospitais eugenistas, cemitérios de soldados da SS e até em documentos oficiais da Ahnenerbe (instituto de pseudociência racial do Terceiro Reich). Sua função não era neutra — ela estava diretamente ligada à ideia de pureza racial, reprodução seletiva e supremacia branca. Dizer que o nazismo “só se apropriou” dela apaga o contexto em que foi usada: um projeto genocida de engenharia social.

Já a Todesrune, ou “runa da morte”, sequer tem registros nas tradições pagãs originais. Ela não pertence à mitologia nórdica nem ao alfabeto rúnico ancestral. Esse símbolo foi criado e difundido exclusivamente pelo nazismo, como contraponto à Lebensrune. Era utilizado para marcar túmulos, indicar mortos “honrados” pela ideologia nazista e apareceu em diversos materiais da SS. Ou seja: é um símbolo inventado pela máquina de propaganda nazista, sem raízes pagãs legítimas.

A tentativa desse sujeito de normalizar o uso dessas runas dizendo que “nazistas apenas gostavam de paganismo” ignora que o regime nazista instrumentalizou o neopaganismo e a simbologia nórdica para construir uma narrativa mística que justificasse sua política de pureza racial. Eles não eram “fãs do paganismo” — eles usaram essa estética para embasar seu projeto ideológico. Repetir essa estética hoje, de forma acrítica, é perpetuar essa herança simbólica de exclusão, morte e supremacia.

Portanto, não: não é “só simbologia pagã”. É simbologia nazista. E quem insiste em usá-la, mesmo depois de saber disso, não está sendo inocente — está fazendo um posicionamento político disfarçado de ignorância.

Precisamos entender o quão perigosa é essa história que esse nazista está tentando vender — porque ela não é um caso isolado. É uma estratégia repetida, polida, reciclada. E o mais alarmante: está funcionando. Estamos vendo surgir uma nova geração de pessoas que se dizem antifascistas, mas que desconhecem completamente o peso histórico dos símbolos que estão sendo usados, suas origens e os processos de normalização que os tornam aparentemente inofensivos.

É assim que o fascismo atual opera: não com tanques nas ruas, mas com símbolos discretos, discursos camuflados e estéticas recicladas. O que antes era um apito de cachorro — um sinal usado apenas entre grupos extremistas para se reconhecerem — está se tornando ação concreta, visível, permitida, tolerada. Quando não sabemos o que estamos vendo, deixamos de reagir. Deixamos passar. E o fascismo cresce justamente nesses silêncios.

A cruz de ferro, a Lebensrune, a Todesrune e outros elementos associados ao nazismo estão voltando ao espaço público por meio de desculpas culturais, estéticas ou “espirituais”. E sem uma memória crítica e coletiva, muita gente cai na armadilha da neutralidade simbólica. Mas não existe neutralidade quando um símbolo foi usado para justificar genocídios, guerras, políticas eugenistas e regimes de terror.

O antifascismo de verdade exige estudo, memória e vigilância. Não é só colocar “antifa” na bio — é saber reconhecer quando o fascismo está tentando se infiltrar travestido de tradição, cultura ou paganismo. Porque o nazismo não morreu. Ele aprendeu a se disfarçar. E o nosso dever é saber desmascará-lo, símbolo por símbolo, gesto por gesto, antes que ele se transforme — de novo — em política de morte.

Antifascismo não é repostar símbolo nazista nos stories como se fosse apenas uma denúncia estética. Se você não sabe a origem do símbolo, não estudou sua trajetória histórica, não entende por que ele foi criado e como foi usado — você pode estar reforçando exatamente o que queria combater. Fascismo não se enfrenta com superficialidade ou impulsividade de rede social. Fascismo se enfrenta com consciência, com estudo, com responsabilidade.

Repostar esses símbolos sem o devido contexto, sem alertas claros e sem denunciar quem os usa de forma deliberada, acaba normalizando o que deveria chocar. O algoritmo adora imagens fortes e polêmicas, mas o nazismo não é estética de engajamento — é um projeto genocida. E o mais grave é quando essas postagens vêm seguidas de perdão, desculpas ou “interpretações alternativas” para quem claramente carrega essa simbologia com intenção ideológica. Isso não é antifascismo. Isso é conivência travestida de neutralidade.

Quem é realmente antifascista não dá palco, nem desculpa, nem acolhimento para quem usa cruz de ferro, runas da SS ou qualquer outro símbolo associado ao Terceiro Reich. Não importa se a pessoa diz que “não sabia” ou que “tem outro significado” — o uso deliberado de símbolos que carregam sangue, racismo, guerra e morte não é um acidente inocente. É um posicionamento político.

O antifascismo começa no estudo, na memória histórica e na coragem de romper com qualquer figura ou discurso que flerte com essa ideologia. Se você vai se posicionar, se posicione por inteiro. Não basta parecer contra — é preciso estar contra, com todas as consequências disso.

IV.

A crítica que me proponho a reafirmar aqui é direta e inegociável: perdoar atitudes nazistas ou fascistas é, ainda que sem intenção declarada, ser cúmplice da continuidade dessas violências. É suavizar o inaceitável sob o disfarce da maturidade emocional. E o que tenho observado em muitos espaços que se autodeclaram antifascistas não é resistência concreta, tampouco consciência política — é neoliberalismo disfarçado de empatia, travestido de discurso consciente, mas sem qualquer compromisso real com a ruptura.

Para entender o que está em jogo, é preciso lembrar que o fascismo não é uma exceção do sistema. Ele tampouco representa uma evolução “natural” do capitalismo. O fascismo é, na verdade, a reação violenta e organizada do capital diante de suas próprias crises. Ele surge quando o sistema começa a ruir sob o peso de suas contradições e já não consegue manter a ordem com as ferramentas liberais tradicionais. É nesse contexto de instabilidade que o fascismo aparece como instrumento de contenção, como resposta autoritária diante do colapso iminente. E essa resposta não é aleatória: ela serve, acima de tudo, para preservar os interesses da burguesia.

Historicamente, o fascismo operou deslocando a revolta social das causas estruturais para os alvos fáceis. Ao invés de permitir que a população questione a lógica da exploração, canaliza a raiva coletiva contra minorias, contra os corpos dissidentes, contra qualquer grupo que ameace os pilares da dominação. É uma violência seletiva, organizada e deliberada — por isso sua força está no apelo à velocidade e à brutalidade. Ele surge como solução imediata, ainda que destrutiva, para manter intacto o sistema que o gerou.

Diante disso, o perdão a atitudes nazifascistas não pode, em hipótese alguma, ser tratado como um gesto neutro ou inocente. Pelo contrário: é uma escolha política. Ao perdoar, abre-se espaço para que a ideologia continue existindo sob novas formas. Quem perdoa hoje, relativiza amanhã, normaliza depois. E quando isso acontece, o fascismo deixa de ser combatido como projeto político coletivo e passa a ser tratado como desvio individual — como se bastasse uma narrativa de arrependimento para anular seus efeitos sociais.

É exatamente aí que a lógica neoliberal se infiltra. Porque o neoliberalismo, ao contrário do que muitos imaginam, não se resume a um conjunto de políticas econômicas. Ele é um modo de organização social e subjetiva que individualiza os conflitos, despolitiza os processos e transforma injustiças estruturais em dramas morais. Quando alguém diz que um fascista deve ser perdoado porque “parece arrependido”, estamos assistindo à política sendo substituída por psicologia. O problema coletivo vira um enredo pessoal. A violência deixa de ser histórica para se tornar episódica. E assim, perdoar um fascista passa a ser um ato de acolhimento, e não de cumplicidade.

Essa leitura, emocional e despolitizada, tem um efeito especialmente grave dentro da cena alternativa. Espaços que deveriam ser zonas de resistência tornam-se arenas de exibição identitária, onde a coerência é medida pelo discurso e não pela prática. O antifascismo vira uma estética, um selo de autenticidade social. E, nesse contexto, basta se declarar “antifascista” para que não se precise mais confrontar o fascismo de verdade. Tudo se torna simbólico. Tudo vira performance.

Perdoar o fascista, então, vira parte de uma lógica maior: a de manter os vínculos, evitar rupturas, preservar o clima harmônico — mesmo que isso custe a integridade política de um coletivo. E essa é a essência do neoliberalismo. Ele nos ensina que os conflitos devem ser resolvidos de forma individual, emocional, subjetiva. Que devemos dialogar até com quem nos nega o direito de existir. Que devemos priorizar o conforto social à justiça radical. E quando essa lógica se instala, o antifascismo deixa de ser prática e vira encenação.

Não se trata de empatia, nem de evolução espiritual. Trata-se da tentativa de preservar privilégios. Em vez de romper, reconcilia. Em vez de denunciar, ameniza. Em vez de expulsar o fascismo, reabilita seus agentes. E tudo isso é feito sob o discurso da paz, da maturidade, da “cura”. Mas não há paz possível com quem defende a eliminação de corpos. Não há cura sem justiça. Não há antifascismo sem ruptura.

E mais: esse antifascismo performático só entra em cena quando o fascismo atinge diretamente o indivíduo. Quando fere a reputação, o status, a imagem pública. Quando atinge o coletivo, quando mata, quando oprime, quando silencia — aí reina o silêncio, o desconforto, a neutralidade. Esse não é um antifascismo comprometido. É um reflexo egoísta, uma reação de autopreservação disfarçada de militância.

Nesse cenário, perdoar não é apenas um gesto individual — é uma escolha política que transfere o risco da violência para outras pessoas. O fascismo, ao ser perdoado, não desaparece: ele se desloca. Deixa de ser uma ameaça para quem perdoa e volta-se, silenciosamente, contra aqueles que continuam vulneráveis. É como varrer o problema para debaixo de um tapete bonito. Só que, nesse caso, o que está em jogo não é poeira — são vidas.

Não há antifascismo possível onde há disposição para perdoar aquilo que é politicamente imperdoável. A luta antifascista exige cortes. Exige limites. Exige posicionamentos incômodos. Quando se escolhe a estabilidade emocional em detrimento da responsabilidade coletiva, o lado escolhido já está traçado. E é sempre o lado da manutenção.

O que agrava ainda mais essa conjuntura é o modo como o neoliberalismo aprendeu a vestir as roupas da esquerda. Ele já não se limita à defesa explícita da privatização ou da austeridade. Hoje, ele sabe se disfarçar. Sabe usar a linguagem da justiça, da inclusão, da diversidade. Sabe ocupar os discursos da transformação. O neoliberalismo contemporâneo se infiltra nos espaços da esquerda reformista e, a partir deles, gerencia as crises sociais sem jamais tocar nas estruturas que as produzem.

Essa esquerda gerencial, também chamada de neoliberalismo progressista, não busca a superação do capitalismo. Busca sua administração “humanizada”. Em vez de enfrentar as elites, se senta com elas. Em vez de fortalecer os movimentos de base, criminaliza suas ações. Em vez de distribuir riqueza, precariza o trabalho em nome da inovação. O discurso é de mudança, mas a prática é de manutenção.

E assim, o anticapitalismo vira vitrine. O feminismo vira slogan. A luta antirracista vira protocolo de empresa. A diversidade vira moeda. A rebeldia vira estética. O sistema aprendeu a lucrar com tudo aquilo que deveria destruí-lo. A crítica foi domesticada. A insurreição, higienizada. A revolução, estetizada.

Esse é o solo fértil onde o fascismo cresce. Porque quando a esquerda se torna inofensiva, quando a política vira performance, quando a crítica se limita ao Instagram, o autoritarismo aparece como única força que parece levar algo a sério. A esquerda neoliberal, ao fingir ser oposição enquanto serve de garantidora do sistema, acaba abrindo caminho para a ascensão de tudo aquilo que diz combater.

É urgente denunciar não apenas os fascistas evidentes, mas também os falsos aliados. Aqueles que, em nome da estabilidade, da conciliação e do “amadurecimento político”, perdoam o que jamais deveria ser tolerado. Porque o neoliberalismo de esquerda, ao impedir que a crítica se transforme em ação, é o que torna o fascismo possível — e, muitas vezes, inevitável.

O anticapitalismo que o neoliberalismo de esquerda simula defender é, no fundo, puramente simbólico. Ele se alimenta de palavras como justiça, equidade e inclusão, mas esvazia cada uma delas ao transformá-las em ferramentas de mercado. O feminismo vira peça de propaganda para cosméticos. A pauta antirracista é apropriada por bancos que lucram com a exclusão. A diversidade sexual se converte em selo de responsabilidade social empresarial enquanto a precarização segue como regra. A revolta é capturada, higienizada, convertida em estética publicitária. E, nesse cenário, nada se transforma — apenas se vende melhor a aparência da mudança.

É justamente nesse vácuo entre aparência e ação que o fascismo avança. Quando a esquerda se reduz à estética da crítica, quando a luta se transforma em performance para manter a relevância simbólica, abre-se espaço para que a extrema-direita se apresente como a única alternativa “radical” em meio ao colapso. O neoliberalismo progressista, ao se fingir oposição enquanto mantém os alicerces da ordem intactos, não apenas fracassa em barrar o avanço do autoritarismo — ele o prepara.

Essa esquerda performática não está interessada em subverter a estrutura. Seu compromisso real é com a administração silenciosa das dores sociais. Quando confrontada com genocídios, colapsos ambientais ou crises humanitárias, sua resposta não é ruptura, mas gerenciamento. Sempre o mesmo repertório: diálogo, moderação, reforma. Tudo para não perder o controle. Mesmo que esse controle implique, de forma direta, a manutenção da desigualdade que diz combater.

Por isso, o neoliberalismo que veste as roupas da esquerda se torna um dos principais obstáculos a qualquer projeto verdadeiramente revolucionário. Porque ele neutraliza a crítica, esteriliza o conflito, transforma toda potência política em capital simbólico. Ele não apenas desacelera a luta — ele impede que ela aconteça. E por isso precisa ser denunciado com o mesmo vigor com que se denuncia o fascismo. Pois, em última instância, ele o torna possível.

E é dentro desse contexto que o perdão ao nazista na cena alternativa precisa ser compreendido. Não se trata de um gesto isolado ou de uma escolha puramente emocional. Trata-se de um sintoma claro do neoliberalismo de esquerda que já contaminou nossos espaços. Esse neoliberalismo não grita, não se impõe com brutalidade — ele sussurra com ternura, fala de cura, de acolhimento, de diálogo. E enquanto parece pacífico, despolitiza. O que antes era denúncia coletiva contra uma ideologia genocida, torna-se um episódio pessoal, um drama íntimo, um erro emocional “superável”.

Esse tipo de perdão revela como a lógica neoliberal molda, inclusive, a maneira como reagimos ao inaceitável. A cena alternativa, que deveria ser território de confrontos simbólicos e políticos contra a opressão, torna-se ambiente de conforto emocional e estabilidade relacional. O que importa deixa de ser o enfrentamento ao fascismo e passa a ser o bem-estar de quem perdoa, a imagem de quem parece estar “acima do conflito”, o desejo de evitar rupturas para não abalar as próprias relações. É o neoliberalismo operando como pacificador de tensões, como supressor da dissidência.

Ao perdoar um nazista, ainda que sob a justificativa de arrependimento, muitos não percebem que estão abrindo um precedente perigoso: o de normalizar a reconciliação com o intolerável. A ideologia deixa de ser combatida como ameaça coletiva e passa a ser lida como desvio de conduta. O ato fascista é retirado do seu contexto histórico e político e reconfigurado como uma falha individual, uma crise momentânea, uma narrativa que merece reabilitação.

Nesse processo, o que se coloca no centro não é mais o impacto do fascismo na comunidade, nos corpos dissidentes, nas memórias violadas — mas sim a trajetória emocional de quem o praticou. O coletivo é silenciado em nome da salvação da imagem de uma única pessoa. A política se dissolve na subjetividade. A ideologia, no afeto. O crime, na desculpa. E o fascismo, que deveria ser expurgado, se torna tema de reeducação.

O efeito disso é brutal: a cena alternativa, que deveria ser um bastião de enfrentamento, converte-se em um terreno onde a intolerância encontra abrigo. Relativizar o nazismo, mesmo que por vias simbólicas, emocionais ou “humanitárias”, é abrir espaço para que outros discursos autoritários se sintam legitimados. Cria-se o precedente — e, com ele, a segurança de que o intolerável será sempre acolhido, desde que saiba parecer arrependido.

O neoliberalismo, quando age nesses termos, não está apenas sendo conivente com o fascismo — está sendo reprodutor da ordem que o sustenta. Ao preferir manter a harmonia estética do grupo a romper com o que ameaça seu alicerce político, ele nos trai. Ele prioriza o convívio a qualquer custo, mesmo que o custo seja a erosão dos princípios mais elementares de um coletivo antifascista.

É nesse ponto que fica evidente o papel do neoliberalismo como anestesiante da política: ele transforma a luta em moral, a coerência em vaidade e o perdão em sinal de maturidade. Mas não há maturidade em perdoar o que é politicamente imperdoável. Só há apagamento, abandono e recuo.

Perdoar o fascista, nesse cenário, não é gesto de empatia. É recuo político. É o neoliberalismo agindo por dentro — protegendo a estética da paz enquanto entrega o futuro à repetição da violência.

V.

Um dos motivos usados para justificar o perdão ao nazista foi o cansaço mental da pessoa que perdoou. Alegou-se que ela estava exausta emocionalmente e, por isso, não tinha energia para manter a crítica, o embate ou o posicionamento antifascista. Essa justificativa é perigosa porque desloca a responsabilidade política para uma esfera individual de fragilidade emocional, como se o esgotamento fosse razão suficiente para abandonar a luta e acolher o opressor.

Esse discurso é psicofóbico porque reforça a ideia de que pessoas mentalmente cansadas não são capazes de fazer escolhas políticas conscientes, como se o sofrimento emocional automaticamente suspendesse a responsabilidade ética. Isso estigmatiza tanto o cuidado em saúde mental quanto o debate político sério, além de esvaziar a noção de comprometimento coletivo. A exaustão existe, é real e precisa ser acolhida — mas ela não pode ser usada como álibi para proteger posturas perigosas e coniventes com o fascismo.

Além disso, essa narrativa reforça uma lógica neoliberal: o emocional do indivíduo se sobrepõe à responsabilidade coletiva. O antifascismo exige enfrentamento, continuidade, estratégia e comprometimento — principalmente quando estamos cansades. Perdoar alguém por conveniência emocional não é autocuidado, é despolitização. É exatamente nesse momento que precisamos lembrar que o antifascismo é movimento e consciência coletiva, não alívio pessoal. O cansaço mental é legítimo, mas não pode ser desculpa para abandonar a ética revolucionária.

No caso específico da autora que expôs os fascistas e depois decidiu perdoá-los, a justificativa girou em torno do desgaste emocional que ela sofreu, principalmente por conta da misoginia direcionada a ela. No entanto, mesmo reconhecendo o peso desse sofrimento, é preciso compreender que sua decisão teve impactos políticos profundos. O perdão não foi apenas um ato individual — ele reverberou negativamente no movimento alternativo como um todo. Ao priorizar o próprio bem-estar imediato e ignorar as consequências coletivas desse gesto, ela revelou uma atitude individualista e despolitizada.

Se alguém não tem estrutura emocional ou disposição política para enfrentar o nazismo, precisa reconhecer seus limites, mas jamais usá-los como justificativa para proteger o inimigo. Ceder à pressão de um fascista não é um sinal de cansaço mental — é uma postura liberal, onde o problema político é reconfigurado como sofrimento clínico psíquico. Isso desvia o foco da luta e transforma um ato de enfrentamento coletivo em uma questão de “gestão emocional” pessoal, dissolvendo o compromisso político em nome do conforto individual.

Todos nós enfrentamos pressões constantes dentro do sistema capitalista — e lidamos com elas da forma que conseguimos. Mas transformar um conflito com o fascismo em algo meramente subjetivo é perigoso e incoerente com uma postura revolucionária. Quem se diz antifascista não pode abandonar a crítica no momento em que ela se torna desconfortável. Isso é complacência, é conivência, é uma forma sutil de legitimar o fascismo sob a desculpa da exaustão. E isso, definitivamente, não é antifascismo — é neoliberalismo afetivo disfarçado de autocuidado.

Fascismo e nazismo não são ideologias com as quais se negocia. Não existe diálogo possível com projetos genocidas. Quando vocês reduzem o enfrentamento político a conversas pacificadoras, estão apenas reproduzindo um discurso neoliberal de apaziguamento — um discurso que protege o agressor em nome da "paz social". Essa ideia de que tudo pode ser resolvido com empatia é profundamente perigosa, porque ignora a violência estrutural e histórica dessas ideologias. Fascista e nazista a gente combate com firmeza, com confronto direto — verbal, político, simbólico e, quando necessário, físico. Eles não podem ser tratados como simples divergências de opinião.

Esse discurso de “paz e amor”, de que “a cena alternativa deve ser unida”, é uma farsa. Não existe unidade possível em um espaço onde fascistas têm espaço para existir, manipular e se fortalecer. A verdadeira desunião nasce justamente da presença tolerada desses sujeitos. Ao acolhê-los, vocês não estão construindo união — estão normalizando a violência. Estão abrindo as portas para que o inimigo infiltre, destrua e fragmente de dentro. A neutralidade diante do fascismo é cumplicidade. Essa suposta paz que vocês pregam é apenas um verniz que cobre o medo de se posicionar.

Essa postura me lembra certos setores da esquerda “gratiluz”, que acreditam que é possível curar o fascismo com empatia individual, como se bastasse perdoar bolsonaristas, nazistas ou eugenistas para que eles deixassem de ser o que são. Mas fascismo não é um desvio moral curável com afeto — é um projeto político destrutivo, violento e reacionário, com bases materiais, históricas e ideológicas muito bem estabelecidas. Quando vocês escolhem perdoar um fascista por medo de conflito, estão apenas garantindo que ele continue ganhando espaço. Isso não é empatia — é covardia.

E foi exatamente isso que aconteceu. Vocês perdoaram o avanço do fascismo em nome de uma suposta maturidade emocional, de uma convivência pacífica. Mas o que vocês realmente fizeram foi deixar uma praga crescer dentro do meio alternativo. Uma praga que já está entranhada na sociedade capitalista e que agora se disfarça entre roupas pretas, estética subversiva e discursos supostamente progressistas. O antifascismo verdadeiro exige coragem, exige enfrentamento, exige ruptura. Não se faz antifascismo com palavras vazias e abraços conciliadores — se faz com ação, responsabilidade política e coragem para romper com os falsos consensos.

O que se vê, nesse tipo de justificativa, é a consolidação de uma política do afeto moldada pelos moldes neoliberais: tudo passa pelo eu, pela sua dor, pela sua narrativa, pela sua imagem. As lutas coletivas são absorvidas por uma gramática terapêutica que transforma qualquer contradição em “gatilho” e todo posicionamento firme em “violência emocional”. E o que se perde nesse caminho é justamente o sentido de responsabilidade política. A cena alternativa não pode ser um espaço que acolhe fascistas em nome do acolhimento emocional de quem deveria combatê-los. Isso não é cuidado — é sabotagem.

É preciso, sim, falar de saúde mental, mas falar com profundidade e radicalidade. A lógica neoliberal já sequestrou esse debate o suficiente, reduzindo sofrimento à produtividade emocional, transformando dores reais em oportunidades de autopromoção e, agora, reconfigurando decisões políticas desastrosas como sintomas de fragilidade psíquica. Não se trata de negar que existe esgotamento — ele existe, e é legítimo. Mas uma política que se propõe revolucionária precisa saber distinguir o que é necessário e o que é uso instrumental da linguagem terapêutica para blindar erros políticos.

Outro problema grave é a fetichização do cuidado. O “cuidar” virou palavra-chave da nova linguagem do consenso, usada para suavizar embates e dissolver qualquer traço de enfrentamento. Mas cuidado não é condescendência. Cuidado real também é conflito, também é dizer “isso que você fez destruiu um processo coletivo”. Cuidar de uma comunidade não é evitar confrontos — é assumir os confrontos que precisam ser feitos para que aquela comunidade continue viva, íntegra, segura. O perdão ao fascista, sob a desculpa do autocuidado, é um abandono da coletividade mascarado de sensibilidade.

É também sintomático que a exaustão seja usada para justificar a quebra do compromisso político justamente quando se trata de enfrentar o fascismo. Porque poucas coisas esgotam tanto quanto o confronto com a violência sistêmica — e é por isso que o compromisso antifascista não pode ser facultativo. Ele é constante, incômodo e, muitas vezes, exige que a gente se coloque em risco. O esgotamento, nesse sentido, deveria reforçar o laço entre os corpos dissidentes, e não abrir concessões para quem ameaça esses corpos. Usar o cansaço como desculpa para perdoar o opressor é inverter totalmente o sentido da luta.

É fundamental lembrar que o fascismo não recua diante do cansaço — ele avança. O tempo que vocês usam para “respirar” e “refletir” é o tempo que ele usa para se reorganizar, se infiltrar, se fortalecer. A diferença entre um revolucionário e um liberal está justamente na postura diante da exaustão: o liberal pede trégua, o revolucionário se reorganiza. E a cena alternativa precisa escolher de qual lado está. Ou rompe com essa lógica conciliadora e reafirma seu compromisso político, ou continuará abrindo as portas para que o inimigo se disfarce de aliado.

VI.

Um dos discursos usados contra mim foi a acusação de que eu "não fui feminista". Essa crítica, além de rasa, foi uma tentativa de silenciar minha posição política diante de uma situação gravíssima: a complacência com atitudes nazifascistas dentro do meio alternativo. O motivo desse ataque? O fato de eu ter feito uma crítica contundente a uma figura alternativa que, mesmo se dizendo progressista, optou por perdoar fascistas sob o argumento de que estava mentalmente abalada. Minha crítica não foi direcionada à saúde mental dela, foi direcionada ao uso desse argumento como justificativa para perdoar o inaceitável.

Curiosamente, na época, eu nem cheguei a aprofundar a análise de como esse tipo de justificativa é, na verdade, uma forma de psicofobia, algo que desenvolvi com mais rigor posteriormente. O que eu trouxe foi uma crítica política, não um ataque pessoal. Mas ainda assim, tentaram transformar minha crítica em desumanização, como se apontar incoerências políticas fosse mais grave do que perdoar fascistas. E mais: usaram o feminismo como escudo para proteger uma atitude liberal, esvaziando o sentido revolucionário do próprio feminismo.

Ser feminista não é passar pano para atitudes perigosas só porque quem as comete está emocionalmente cansada. Ser feminista é saber que a luta contra o fascismo é inegociável — mesmo quando é difícil, mesmo quando dói, mesmo quando confronta pessoas que gostamos ou admiramos. Feminismo não é sobre proteger indivíduos da crítica política, é sobre transformar o mundo com base na justiça, na equidade e na luta coletiva. E isso inclui, sim, apontar quando alguém usa argumentos emocionais para legitimar alianças com projetos autoritários.

O feminismo que eu defendo não é centrado no indivíduo, e sim na coletividade. Não é sobre "ser mulher" de forma isolada dentro da sociedade patriarcal, mas sobre compreender o que significa pertencer a um grupo social historicamente oprimido: o grupo social das mulheres. Essa diferença é fundamental para separar um feminismo liberal, voltado ao empoderamento individual, de um feminismo radical e revolucionário, que busca transformar a estrutura social que oprime todas as mulheres, não apenas melhorar a vida de algumas.

Defender o indivíduo mulher é o que o feminismo liberal faz: valoriza as conquistas individuais, como ter mais mulheres em cargos de poder, mais representatividade em espaços elitizados ou o direito de “escolher” dentro dos limites do capitalismo. Esse tipo de abordagem ignora que essas conquistas não chegam às mulheres racializadas, pobres, trans, periféricas ou marginalizadas. Ou seja, não muda as bases da opressão patriarcal, apenas redistribui privilégios entre poucas.

Já defender o grupo social das mulheres é reconhecer que o patriarcado opera como uma estrutura que oprime todas, embora de formas diferentes, dependendo da raça, classe, identidade de gênero e localização social. Isso significa que o feminismo deve lutar por mudanças coletivas, estruturais e radicais, não por favores individuais ou por discursos de autoproteção emocional. Ser mulher, nesse sentido, não é uma identidade abstrata ou sentimental — é uma posição social marcada por exploração, controle e violência sistemática.

Por isso, quando critico uma mulher que, mesmo sendo alvo de misoginia, faz alianças ou perdões a projetos fascistas, minha crítica não é contra o seu sofrimento pessoal. É contra a escolha política de abandonar a coletividade em nome do alívio individual. Feminismo não é um escudo contra críticas políticas. Feminismo é comprometimento com a transformação coletiva. Defender o grupo social das mulheres exige coragem, lucidez e a recusa de se aliar, mesmo indiretamente, com forças que querem nos exterminar.

Algumas vezes, é preciso falar com ódio no peito — não porque odiamos as pessoas, mas porque odiamos o que o fascismo representa. Quando vocês são complacentes com o fascismo e depois tentam usar o feminismo como carta de proteção para atacar quem denuncia isso, estão esvaziando totalmente a luta das mulheres enquanto grupo social oprimido. Vocês não perceberam que, ao fazer isso, não estão defendendo o feminismo — estão usando ele como um escudo individualista, enquanto enfraquecem sua força política coletiva.

Vocês se apoiam demais no individualismo. Quando critico essa lógica, não estou atacando a dor pessoal de ninguém, mas apontando um erro grave: perdoar fascistas, independente se quem fez isso é homem, mulher, não-binárie, se estava cansado ou não. Perdoar fascistas para aliviar o próprio sofrimento interno não é estratégia política — é sobrevivência egoísta. E o antifascismo não sobrevive nesse tipo de escolha. E sobre ser feminista, é enxergar a mulher como parte de um grupo social historicamente segregado, e não como um ser isolado que busca apenas conforto e reconhecimento pessoal.

É aí que entra a crítica radical ao feminismo liberal. Esse tipo de feminismo enfraquece nossa luta porque está preocupado em fazer a mulher "chegar lá" — onde o patriarcado e o capitalismo já dominam — ao invés de transformar radicalmente a sociedade. Ele celebra o “direito de escolha” como se estivéssemos em igualdade de condições para escolher algo. Ele romantiza o empoderamento sem combater as estruturas que continuam nos oprimindo. E o pior: acaba normalizando alianças com inimigos declarados da nossa existência, em nome da “paz”, do “bem-estar” e da “cura emocional”.

Perdoar um fascista enquanto o mundo ruge com misoginia, transfobia e genocídio não é empatia, é omissão. E o feminismo liberal, ao nos ensinar que tudo é sobre nosso bem-estar individual, nos faz acreditar que essa omissão é aceitável se for confortável. Mas não é. Vocês acham que estão sendo cuidadosas e justas, mas estão desarmando o movimento com flores de plástico, enquanto o fascismo vem armado até os dentes. Vocês estão curando feridas individuais enquanto o corpo coletivo continua sendo esfaqueado.

E é aí que está o problema: irmãs de luta, às vezes é necessário um toque duro para evitar que vocês caiam, ou continuem caindo, no feminismo liberal. Porque esse caminho parece seguro, parece acolhedor, parece gentil... mas é uma trilha que nos afasta da revolução. E sem revolução, nenhuma de nós será livre. Nossa luta é coletiva. Nosso inimigo é estruturado. E nossa resposta precisa ser, acima de tudo, política — mesmo quando exige força, dureza e ruptura.

Quando vocês dizem que eu "não fui feminista" por não ter perdoado uma pessoa que foi complacente com o fascismo, o que vocês estão dizendo, na prática, é que o feminismo deve ser passivo, conciliador, domesticado. Estão dizendo que a mulher feminista precisa ser dócil, emocionalmente equilibrada e disposta a perdoar até mesmo a quem colabora com ideologias genocidas. Estão reduzindo o feminismo à ideia de que “ser boazinha” é mais importante do que combater o que nos oprime coletivamente. E isso, sinceramente, é uma violência contra a história radical do feminismo.

Vocês me negaram o título de feminista porque eu não abracei o inimigo — isso revela o quanto o feminismo de vocês está atrelado a uma lógica neoliberal do afeto, da aparência de harmonia, da reputação no meio alternativo. O problema é que esse feminismo não salva vidas, não transforma estruturas, não enfrenta o fascismo de frente. Ele só serve para preservar o status de quem quer se sentir “do bem” enquanto o mundo desaba em misoginia, racismo, lgbtfobia e autoritarismo.

Eu não perdoei, porque sou feminista. Porque sei que o fascismo destrói mulheres, oprime nossas existências e mata nossos corpos. Perdoar um fascista não é compaixão — é traição de classe, de gênero, de movimento. E se vocês preferem chamar de feminismo o silêncio, o medo do conflito, a busca por aceitação — então eu sou o contrário disso. Porque o feminismo que me move é o que transforma a dor em arma política, a raiva em ação coletiva, e a luta em horizonte de liberdade.

Eu trago essa crítica não para causar divisão, mas porque ainda acredito que podemos construir algo maior e realmente revolucionário. Mas isso só será possível quando vocês deixarem de lado a autoproteção neoliberal e passarem a entender que feminismo, antifascismo e luta coletiva não se fazem com “paz e amor”, mas com posicionamento firme e radical contra todo tipo de opressão. Não há caminho revolucionário que passe pelo perdão ao fascismo — isso é política de conciliação, e conciliação com o inimigo nunca foi resistência, sempre foi rendição.

É preciso que vocês enxerguem o quanto estão reproduzindo o feminismo liberal: aquele que prioriza o bem-estar individual acima da transformação coletiva, aquele que mascara a passividade com discursos de empatia seletiva. Quando vocês chamam de “ódio” uma crítica política bem fundamentada, ou deslegitimam uma mulher por ela não perdoar um fascista, vocês estão protegendo o fascismo em nome de um bem-estar emocional que serve mais ao ego do que à causa.

O grupo social das mulheres não pode, em hipótese alguma, ser confundido com o indivíduo mulher. Essa distinção é fundamental para compreender o que significa uma política feminista comprometida com transformação coletiva e não com concessões individuais. O grupo social das mulheres é uma construção histórica, atravessada por raça, classe, território, identidade de gênero e outras formas de opressão que estruturam a vida em sociedade. É ele quem sofre, em conjunto, os efeitos do patriarcado. Já o indivíduo mulher, embora parte desse grupo, não representa sua totalidade nem tem o direito de agir em nome dele quando suas escolhas colocam outras em risco.

Quando vocês decidiram proteger uma mulher que perdoou um fascista, o que fizeram não foi defender o grupo social das mulheres, mas sim uma experiência individual específica — baseada em sua dor, seu esgotamento, sua posição dentro da cena. Isso é individualismo político: a crença de que proteger o bem-estar emocional de uma única pessoa é mais importante do que defender os princípios coletivos de uma luta. Ao fazer isso, vocês colocaram a figura da mulher acima do sentido político do que é ser mulher dentro de uma estrutura de opressão. E mais: ignoraram que o fascismo, enquanto ideologia, ameaça esse grupo social como um todo — não apenas uma ou outra mulher em particular.

O grupo social das mulheres não é formado apenas pelas mulheres que vocês conhecem, com quem vocês simpatizam ou compartilham espaços. Ele é composto por todas as que vivem sob o controle estrutural do patriarcado, especialmente as que são constantemente apagadas das discussões: mulheres racializadas, trans, pobres, periféricas, com deficiência. Ao proteger uma atitude que abriu concessão ao fascismo, vocês colocaram o conforto de uma mulher acima da segurança de todas as outras que têm suas vidas ameaçadas diretamente por esse tipo de ideologia. Isso é o oposto do que o feminismo radical propõe: a transformação das condições materiais de existência das mulheres enquanto grupo oprimido.

Não se trata de negar a dor individual. Trata-se de compreender que, numa luta coletiva, nem toda dor pode ser tratada como prioridade política. E que nem toda decisão tomada em nome da dor é automaticamente legítima. O que vocês fizeram, ao proteger uma mulher que escolheu perdoar um fascista, foi privilegiar o indivíduo em detrimento do grupo. Isso é uma prática neoliberal: transformar uma questão estrutural em um drama pessoal, e dissolver o conflito político em nome da paz emocional. Mas o feminismo, quando é real e revolucionário, não cede a esse apelo. Ele nos chama à responsabilidade — sobretudo quando a escolha de uma ameaça o todo.

O antifascismo verdadeiro é incômodo, é ruptura, é enfrentamento. Não se trata de “pregar amor” enquanto ideologias genocidas crescem e se reorganizam nos nossos espaços. O meio alternativo não pode ser tratado como um refúgio individual, mas como um campo de disputa política real — e nesse campo, perdoar fascista é escolher o lado da opressão. Quando vocês escolhem o silêncio ou o apaziguamento, estão escolhendo quem vai continuar sofrendo.

Vocês não precisam da minha aprovação, mas precisam refletir com honestidade se o que estão fazendo é mesmo luta coletiva ou apenas uma performance palatável de engajamento. Eu não estou aqui para ser simpática — estou aqui para lembrar que o fascismo não espera a nossa boa vontade para agir. Ou enfrentamos ele com firmeza e coragem, ou continuaremos vivendo ciclos de opressão disfarçados de empatia.

VII.

A crítica que farei aqui é sobre uma pessoa que, por muito tempo, considerei como camarada. No entanto, diante de suas últimas atitudes e falas, percebo no mínimo um caráter duvidoso e uma adesão preocupante a discursos neoliberais e complacentes com o fascismo. Preciso, portanto, desmentir o que foi dito sobre mim e esclarecer o porquê essas afirmações não só distorcem minha posição, como também reforçam uma lógica perigosa de apaziguamento.

Vamos começar pelo ponto em que ele afirma que, ao criticarmos o perdão concedido às pessoas expostas por práticas fascistas, estaríamos deixando de apoiar as mulheres responsáveis pelas denúncias — justamente porque essas mulheres estariam sendo atacadas por conta disso. Esse tipo de discurso é passivo-agressivo e falacioso. Em nenhum momento ataquei essas mulheres enquanto indivíduos, tampouco incentivei qualquer violência contra elas. O que fiz, e continuo fazendo, foi uma crítica política e construtiva à escolha de perdoar fascistas — atitude que considero covarde, neoliberal e totalmente contrária ao que defendemos enquanto luta coletiva.

É fundamental separar críticas ideológicas de ataques pessoais. Meu posicionamento se baseia na ideia de que não se perdoa o fascismo, porque isso coloca em risco toda a estrutura de enfrentamento e resistência que tentamos construir. Perdoar fascistas em nome da paz individual não é um gesto de força ou empatia, é rendição. E quando alguém distorce isso para me pintar como inimiga, está fazendo o jogo do próprio fascismo que diz combater.

Portanto, minha crítica não é contra quem expôs os fascistas, mas contra quem escolheu recuar e normalizar o perdão como uma resposta aceitável. Isso não é cuidado coletivo — é neoliberalismo disfarçado de sensatez. E quando alguém que deveria ser camarada se presta a proteger esse tipo de atitude enquanto tenta deslegitimar uma crítica política com apelos emocionais, não está do lado da luta — está do lado do comodismo.

No mesmo momento, ele justificou o perdão concedido ao nazista alegando que as pessoas envolvidas estavam "cansadas demais para isso". Essa fala, embora pareça um apelo emocional por empatia, na prática é uma racionalização perigosa e extremamente irresponsável. Porque não importa o quanto estejamos cansades — e todos estamos, em diferentes níveis —, o fascismo não espera nosso descanso para agir. Ele avança enquanto descansamos. Ele cresce enquanto cedemos. E quando escolhemos perdoá-lo por estarmos exaustes, estamos entregando a ele um salvo-conduto para continuar oprimir.

Fascismo não se perdoa porque ele não é um erro, uma falha momentânea ou um tropeço moral. É um projeto político genocida, que opera com base na exclusão, na violência sistemática e na destruição de qualquer forma de diversidade. Perdoar um fascista é abrir mão da memória coletiva, da justiça histórica e do compromisso com os grupos que são alvos dessa ideologia — negros, indígenas, LGBTQIA+, mulheres, pessoas com deficiência, pobres. O perdão aqui não é nobreza de espírito: é negligência política.

Também não se dialoga com fascista porque o fascismo não é uma opinião, é uma ameaça. É preciso entender que o fascismo não está aberto ao debate. Ele não quer ouvir, aprender ou transformar-se. Ele quer silenciar, dominar e exterminar. O fascismo instrumentaliza o diálogo para parecer democrático, mas o utiliza apenas como meio para desestabilizar a democracia. Entrar em diálogo com fascistas é como oferecer a própria garganta ao carrasco esperando que ele mude de ideia.

Por isso, insistir em perdoar ou dialogar com fascistas, sob o pretexto de cansaço, desgaste ou sensibilidade pessoal, não é apenas ineficaz — é cúmplice. E quando essa cumplicidade é disfarçada de cuidado ou empatia, ela se torna ainda mais perigosa, porque mascara a real dimensão da ameaça que enfrentamos. O que precisamos não é de pacificação, mas de coragem para manter posições firmes mesmo na exaustão. Porque o fascismo só retrocede quando encontra resistência, nunca quando encontra perdão.

Em outro momento, ele alegou que as críticas feitas foram misóginas. Essa acusação, além de falsa, é uma tentativa superficial de deslegitimar uma crítica política fundamentada. Em nenhum momento houve agressão verbal ou ataque à identidade dessas mulheres por serem mulheres. O que foi questionado, com firmeza, foram suas atitudes claramente neoliberais — como o perdão a um fascista — e a incoerência disso dentro de um movimento que se diz antifascista e feminista.

Confundir crítica política com misoginia é perigoso e desonesto. Isso enfraquece a luta feminista ao transformá-la em um escudo para evitar debates sérios sobre responsabilidade coletiva e coerência ideológica. O feminismo que defendemos não protege o conforto individual em detrimento do enfrentamento de opressões sistêmicas. Ele exige coragem para se posicionar, inclusive contra atitudes de outras mulheres, quando essas atitudes colocam em risco a integridade do movimento e dos espaços que deveriam ser seguros para todas.

Antifascismo não é uma performance nem um adorno político que usamos quando nos convém. É uma postura radical de enfrentamento. Quando se abandona essa postura para preservar o bem-estar próprio ou a imagem dentro de uma cena, isso não é empatia — é liberalismo disfarçado. E quando essa escolha é feita, ela precisa ser nomeada como tal, especialmente se ainda há quem tente usar o feminismo para silenciar críticas legítimas e urgentes.

Em mais uma tentativa de distorcer o debate político e ridicularizar posicionamentos sérios, esse ex-camarada decidiu publicar uma sequência de stories debochando da frase de um camarada punk, que disse algo simples, direto e verdadeiro: “o antifascismo tem como prioridade ser feito nas ruas.” Ao invés de refletir sobre o sentido profundo dessa fala — que remete à luta histórica e direta contra o fascismo —, ele preferiu desviar o foco com ironias rasas e analogias superficiais sobre “webnamoro” e “pombo correio”. Uma clara tentativa de deslegitimar um discurso revolucionário com sarcasmo neoliberal.

O que o camarada punk disse não é novidade, nem absurdo: é uma constatação histórica. O antifascismo nasceu da resistência direta, do enfrentamento nas ruas, nos bairros, nos espaços públicos onde o fascismo se organiza e tenta se firmar. A rua sempre foi, e continua sendo, um território de luta e visibilidade política. Isso não significa que outras formas de militância, como a virtual, sejam inválidas — mas dizer que o combate real ao fascismo acontece fora da rua é simplesmente uma negação da nossa história de resistência.

Ao ironizar essa afirmação, o ex-camarada escancara sua recusa em assumir o caráter radical e incômodo do antifascismo. Ele prefere usar a estética alternativa, o discurso cuidadoso e o tom debochado como formas de suavizar a urgência da luta. O antifascismo que ele performa é domesticado, adaptado ao conforto emocional, moldado para caber dentro das redes sociais sem ferir demais ninguém — muito menos os fascistas. Esse comportamento é típico do progressismo liberal que recusa o confronto em nome da convivência pacífica.

Além disso, ele ignora que o discurso “do it yourself” da contracultura punk — o qual ele tenta usar para justificar sua crítica — não é sinônimo de passividade ou zona de conforto. O “faça você mesmo” sempre esteve ligado à ação direta, à criação de alternativas autônomas e à rejeição de instituições opressoras. Usar esse discurso como desculpa para não sair do sofá é um desrespeito à própria base ideológica da subcultura que ele finge defender.

É visível que essas postagens, além de desonestas, são recheadas de indiretas mal disfarçadas e servem apenas para minar a credibilidade de pessoas que seguem comprometidas com uma luta real, direta e combativa. Ao invés de contribuir com o debate, ele prefere desviar o foco, infantilizar argumentos sérios e usar o discurso da inclusão como forma de neutralizar a radicalidade. Mas a verdade é que o fascismo não será derrotado com ironia nem sarcasmo — ele será enfrentado com ação política, posicionamento claro e, sim, com a força que só a rua carrega.

Ele diz que ficou triste por eu “ter tomado esse lado”. Mas afinal, que lado é esse? O lado de ser abertamente antinazista e antifascista? O lado de ter feito uma crítica política fundamentada ao comportamento neoliberal de vocês, que optaram por perdoar um fascista para preservar sua estabilidade emocional? O lado de ter afirmado que o antifascismo que vocês performam só vale até o momento em que ameaça o conforto individual de vocês? Pois bem — se esse é o lado que tomei, quero deixar claro: eu sempre vou tomar esse lado. E vou continuar nele, mesmo que isso custe amizades, colaborações ou aprovação dentro da cena alternativa.

O que ele fez foi distorcer minhas conversas e meus diálogos. Usou trechos fora de contexto para tentar pintar minha postura como extremista, como se eu tivesse pedido que todos fossem pra rua "bater nazista", quando o que eu disse foi que o antifascismo precisa ser combativo — porque fascismo não se combate com perdão, nem com empatia seletiva. Mais grave ainda foi ele usar uma situação antiga, onde eu mesma briguei com um nazista meses atrás, para tentar justificar seu próprio recuo agora. Isso não é só desonestidade — é manipulação emocional para esconder o próprio conformismo.

E o mais irônico: essa fala de que ficou “triste” revela bem a inversão de valores. Triste não é eu ter rompido com a passividade — triste é ver pessoas que se diziam camaradas se ajoelharem diante do fascismo com discursos de paz e amor. Triste é ver quem deveria estar indignado com a presença fascista na cena se indignando comigo, que me recusei a perdoar. Triste é ver a palavra “amizade” sendo usada como chantagem emocional para me fazer recuar. Mas eu não recuo. Porque minha lealdade é com a luta — não com vínculos que ignoram a gravidade do que está acontecendo.

A internet, que ele exalta como espaço de resistência, só tem valor revolucionário quando é usada com consciência política, e não como palco para relativizar o fascismo. Não adianta falar em “amizade”, “call”, ou nostalgia afetiva, quando na prática se abandona o compromisso ético com o antifascismo. Quem rompeu com a luta não fui eu — foram vocês, ao fazerem concessões ao inimigo e tentarem silenciar quem teve a coragem de falar.

Dizer que se sentiu apunhalado pelas costas porque eu mudei de posicionamento revela, mais uma vez, o quanto ele ignora o cerne da crítica: a minha mudança não foi pessoal, foi política. E mesmo assim, não foi repentina. Desde o início, eu estava incomodada com a forma como a situação foi tratada, com a rapidez do perdão ao fascista, e com a postura de quem escolheu conforto ao invés de confronto. O que houve foi coerência minha com a luta que eu defendo. E isso não tem nada a ver com amizade — tem a ver com responsabilidade.

A verdade é que essa “amizade querida” só foi válida até o momento em que eu me mantive silenciosa e funcional. A partir do momento que me posicionei contra a complacência com fascistas, fui tratada com deboche, exposta publicamente, com trechos de conversas privados usados fora de contexto para alimentar um discurso de decepção pessoal. Acontece que amizade real não exige omissão política. Se não posso criticar abertamente atitudes que considero perigosas, então essa amizade era apenas uma aliança conveniente — e não uma relação baseada em respeito.

Sobre o contexto: sim, eu fiquei profundamente abalada com a situação. Não por drama, mas porque eu mesma enfrentei o nazista, fui ameaçada por ele, e ainda assim segurei minha posição. Enquanto muitos escolheram o silêncio e o perdão, eu fui a única da collab que não se curvou. O que vocês chamam de “falar com raiva” ou “falta de sensibilidade” foi resistência pura. Porque quando estamos sendo sufocadas por discursos fascistas, ter firmeza não é ser cruel — é ser consequente.

A vitimização pública que ele faz agora é apenas uma cortina de fumaça. Em vez de assumir que sim, perdoar fascista foi uma escolha política covarde, ele prefere desviar o foco para o emocional. Diz que reconhece o valor do meu trabalho, mas me expõe em sequência de stories, tentando pintar minha reação como traição pessoal. Isso não é reconhecimento, isso é tentativa de silenciamento travestida de lamento. E mais: dizer que fui “infeliz” em minha fala enquanto justifica uma escolha política tão grave quanto perdoar fascismo é, no mínimo, contraditório.

E quanto ao argumento de que "a internet é meu trabalho", ele é exatamente o motivo pelo qual minha postura precisa ser ainda mais firme. Eu trabalho com discurso político, com formação crítica e com o enfrentamento do fascismo. Não posso, em nome da minha saúde emocional ou de possíveis perdas de seguidores, relativizar o inimigo. Não posso, em nome do engajamento, perdoar quem ameaça a segurança de pessoas como eu. Isso não é trabalho com propósito — isso seria traição com a própria causa.

Não sou eu quem deu uma facada pelas costas. Foi quem distorceu a luta para se proteger do desconforto, foi quem expôs minha imagem como “amiga que decepcionou”, ao invés de lidar com o conteúdo real da crítica. Foi quem trocou o comprometimento político por apelo emocional. E quem faz isso, mesmo dizendo “não ataquem ela”, está alimentando justamente o tipo de ressentimento que busca culpados em vez de rever posturas. Eu sigo sendo a mesma: antinazista, antifascista, e comprometida com uma luta real — mesmo que isso signifique perder amizades que não sabem lidar com posicionamento radical.

O mesmo que agora posa de vítima foi quem me enviou uma série de áudios me acusando de machismo — simplesmente porque eu decidi me afastar de uma pessoa com atitudes nitidamente neoliberais e performáticas. Onde exatamente está o machismo em apontar, com firmeza, uma incoerência política grave? Desde quando criticar uma mulher por escolhas que fortalecem o fascismo virou misoginia? Isso não é feminismo — é blindagem emocional para não serem responsabilizadas pelos próprios atos. E eu já deixei claro: eu não defendo o indivíduo de ser mulher, eu defendo a mulher enquanto grupo político oprimido pelo patriarcado e pelo capital.

A crítica que fiz não foi contra o gênero de ninguém — foi contra atitudes políticas que colocam em risco a segurança e coerência da cena alternativa. Enquanto alguns preferiram “perdoar” fascistas para manter a paz aparente, eu — junto com outras mulheres — fui ameaçada, atacada, tive meu psicológico abalado e mesmo assim não recuei. Não deitei. Porque não existe luta real se não formos capazes de manter o posicionamento mesmo diante da pressão. O que vocês estão fazendo agora é desonesto: me acusam de machista porque não suportam ser criticados por alguém que não cedeu ao apaziguamento.

Essa tentativa de vitimização é uma manobra suja para deslegitimar minha crítica. É mais fácil me chamar de agressiva, de infeliz ou de traidora, do que reconhecer que vocês cederam. Que vocês relativizaram o fascismo por medo de perder posição, fama ou conforto emocional. E o pior: se escoraram em discursos feministas para proteger alianças perigosas. Usar o feminismo como escudo para sustentar atitudes neoliberais não é empoderamento — é oportunismo.

Então não, eu não “mudei” de forma repentina. Eu fui coerente do começo ao fim. Não me afastei por rancor, me afastei por integridade. E se manter firme na luta antifascista te faz perder amizades que esperavam sua omissão, então isso não é uma perda — é uma libertação. Eu sigo sendo a mesma: antinazista, antifascista e radicalmente comprometida com a luta. Se isso incomoda, talvez o problema esteja no espelho político de quem se sente atingido.

Uma das falas mais infelizes feitas por ele foi usar minha realidade pessoal — o fato de eu viver com pais conservadores que não me permitem sair de casa com liberdade — como argumento para me descredibilizar politicamente. Isso nem deveria estar em debate. Usar a vulnerabilidade de alguém como munição é baixo, desonesto e revela exatamente o que se tenta esconder com o discurso de sensatez: uma postura individualista e moralista travestida de empatia. Meu contexto de vida não apaga minha luta — apenas explica onde e como ela acontece.

Minha atuação política e revolucionária também se faz pela internet, e não é por isso que deixo de reconhecer a importância da rua como espaço histórico de enfrentamento ao fascismo. O certo é ir às ruas, sim — porque é lá que o fascismo se fortalece, é lá que oprime, violenta, domina. Não se trata de invalidar a luta virtual, mas de entender que o embate direto também é necessário. Usar meu contexto familiar como contra-argumento para isso é uma tentativa lamentável de deslegitimar minha fala usando minha própria condição de opressão — algo que, inclusive, ele sabe muito bem.

Ele também voltou a usar o antigo episódio em que expressei medo de perder minha conta como se isso fosse uma contradição com meu discurso atual. Mas eu evoluí, amadureci politicamente e me fortaleci. Eu tive medo, sim, porque ameaças e perseguições reais me colocaram em risco. Mas eu nunca deixei de lutar — só precisei me reorganizar. O medo nunca me fez perdoar fascista. O medo nunca me fez recuar da crítica. O medo me ensinou a agir com estratégia. E isso, diferente do que ele tenta insinuar, só reforça a solidez do meu posicionamento.

Portanto, tentar deslegitimar minha crítica usando o meu passado, o meu medo, a minha família ou meu contexto pessoal é um ataque rasteiro. Eu não preciso estar nas ruas todos os dias para ser revolucionária. O que me faz parte da luta é meu compromisso, minha coragem de não recuar diante de fascistas e, principalmente, de não relativizar opressões para preservar vínculos frágeis. Quem precisa atacar a vida pessoal do outro para tentar invalidar uma crítica política, já perdeu o debate há muito tempo.

Mais uma vez, ele volta a dizer nos áudios que eu “não sou feminista porque não defendo mulheres”. Mas o que ele está fazendo, na verdade, é defender o indivíduo mulher, como se o simples fato de ser mulher fosse suficiente para estar isenta de qualquer crítica política. E isso não é feminismo — isso é essencialismo liberal disfarçado de solidariedade. O feminismo que eu pratico e defendo é crítico, coletivo e baseado em análise de classe. Ele reconhece que mulheres também cometem erros políticos graves e que, quando isso acontece, devem ser confrontadas com responsabilidade — e não protegidas por um manto emocional que paralisa o debate.

O argumento que ele usou nos áudios sobre a menina que comprou um canivete para se defender é simbólico. Ninguém aqui está deslegitimando o medo que mulheres enfrentam todos os dias — inclusive, eu sou uma mulher que vive sob constante alerta, e entendo esse medo de forma muito real. Mas o problema não está no canivete, e sim no uso desse fato pessoal como escudo emocional para blindar uma crítica política legítima. Comprar um canivete não imuniza ninguém de cometer erros políticos. E sentir medo, por mais legítimo que seja, não pode ser usado para justificar a escolha de perdoar um fascista e se esquivar de consequências políticas dessa escolha.

Essa menina não aceitou uma crítica política — e não foi qualquer crítica. Foi uma crítica baseada em fatos, em posicionamentos públicos e nas consequências concretas que isso trouxe para a cena alternativa. Em vez de lidar com a crítica com maturidade política, ela reagiu com sensibilidade seletiva e contou com o apoio de quem prefere preservar laços pessoais ao invés de enfrentar contradições políticas. A crítica que fiz não foi sobre ela enquanto mulher — foi sobre ela enquanto sujeito político que fez uma escolha incoerente com a luta antifascista. A escolha dela foi pessoal. A minha crítica foi profundamente política.

E o que ele faz nos áudios é repetir o erro de muitos que se afundam no feminismo liberal: confundir crítica com ataque, e identidade com compromisso. Ser mulher não é um salvo-conduto contra responsabilização. O que te torna revolucionária é saber reconhecer seus erros, sustentar sua postura quando for coerente — e aceitar ser chamada à responsabilidade quando não for. Se o feminismo não puder fazer autocrítica, ele deixa de ser movimento e vira autoproteção travestida de causa. E esse tipo de feminismo eu não compactuo — eu denuncio.

Um dos momentos mais baixos e cruéis dessa história foi quando ele decidiu expor minha vida pessoal em áudios privados, como forma de justificar seus argumentos e tentar me diminuir. Ele mencionou que eu já trabalhei em privacy, como se isso anulasse minha crítica ou me tornasse menos legítima politicamente. O que ele convenientemente omite — mas sabe muito bem — é que naquele período da minha vida eu estava enfrentando uma crise financeira severa. Sim, precisei me prostituir para sobreviver. E ele sabe disso. Sabe porque já demonstrou interesse em mim, já flertou comigo, já esteve perto o bastante para ouvir essa parte da minha história — e mesmo assim escolheu usar meu trauma como munição. Isso não é só crueldade, isso é mau-caratismo disfarçado de sensatez progressista.

O uso da minha história de forma distorcida e privada é uma das táticas mais nojentas de deslegitimação política. Ele não trouxe isso para refletir sobre nada — trouxe para me envergonhar, para me silenciar, para manipular narrativas ao seu favor. Essa é a face mais perversa do feminismo liberal que vocês dizem combater, mas praticam na primeira oportunidade: o uso do sofrimento alheio como instrumento de controle emocional. Nenhuma mulher deve ser exposta por sua sobrevivência. Nenhuma mulher deve ser atacada por ter feito o que precisou para continuar de pé.

E se ele tem coragem de dizer isso num áudio privado, eu não duvido que um dia use essa informação de forma ainda mais pública — porque quem se rebaixa a esse nível por ego ferido, é capaz de qualquer coisa. Mas que fique claro: eu não sinto vergonha da minha história. Tenho nojo de quem tenta usá-la contra mim. E se a intenção era me calar, falhou completamente. O que me fortalece não é o aplauso de gente covarde — é saber que, mesmo depois de tudo, continuo sendo a única que não baixou a cabeça para fascista.

Quando enviei o convite para vocês participarem da collab, jamais poderia imaginar que seria cercada por gente tão pronta para perdoar, tão pronta para fugir da responsabilidade, tão presa ao conforto individual. Eu imaginei que havia entre nós, no mínimo, um acordo ético de enfrentamento ao fascismo. Me enganei. E esse erro eu assumo. Mas nunca me arrependo de ter dito o que disse — porque, mesmo sozinha, ainda sustentei uma posição que muitos abandonaram em troca de estabilidade. E não tem estabilidade que valha tanto quanto minha consciência limpa.

No último áudio, ele questiona como eu posso ser “tão inteligente e ao mesmo tempo tão manipulável”. Essa fala é extremamente misógina — principalmente vindo de alguém que se diz defensor das mulheres. É o típico discurso que disfarça controle sob a máscara da preocupação. Questionar a inteligência de uma mulher por ela discordar de você politicamente não é crítica, é violência simbólica. É reforçar a ideia de que mulheres não são capazes de pensar por si mesmas, que sempre há alguém influenciando por trás quando elas tomam uma postura firme.

Se ele realmente acreditasse no que diz defender, saberia que esse tipo de comentário é exatamente o que o feminismo combate: a invalidação da autonomia intelectual e política das mulheres. Eu não sou manipulável — eu sou convicta. E se ele não consegue lidar com o fato de que uma mulher pode ser inteligente, radical, coerente e ainda assim discordar frontalmente dele, o problema não está em mim — está nele, e no machismo disfarçado de sensatez que insiste em usar para tentar me diminuir.

No final dos áudios, ele tentou deslegitimar ainda mais minha postura política ao me criticar por não ter ido à manifestação na Paulista contra a escala 6x1. Segundo ele, isso me tornaria incoerente como militante. Mas uma revolucionária consciente não se guia por pressão ou vaidade política — ela se guia por análise. E, nesse caso, foi evidente que aquela manifestação não tinha força de base, não estava conectada com nenhuma articulação real de ruptura, e não teria impacto revolucionário. Como qualquer pessoa séria sabe: um direito só ameaça o sistema quando está prestes a virar ação coletiva organizada. Do contrário, ele é absorvido pelo próprio sistema como mais um grito protocolar. Não fui incoerente — fui estratégica.

Ele também me chamou de hipócrita. Mas onde está a hipocrisia em manter minha coerência desde o início? Fui a única da collab que não recuou, que não perdoou fascista, que não trocou posicionamento por estabilidade emocional. Hipocrisia seria se eu tivesse fingido apoio por conveniência, ou se tivesse usado o antifascismo como estética e não como prática. Me manter firme, mesmo com ataques, mesmo com ameaças, mesmo com desgaste emocional, não é hipocrisia. É exatamente o que separa compromisso de performance. E ele sabe disso — por isso tenta tanto desviar o foco.

A acusação de que fui falsa apenas por me afastar de uma pessoa com quem não compartilho mais visão política é ainda mais reveladora. Falsidade seria manter uma relação apenas por aparência, engolindo atitudes que vão contra meus princípios. Eu me afastei porque vi que aquela relação ia afetar minha integridade, meu trabalho e minha consciência. Isso não é trair ninguém — é cuidar de si e da própria coerência. Mas parece que, para ele, qualquer mulher que rompe com uma lógica de obediência ou que ousa discordar vira “falsa”. Quando, na verdade, seria muito mais fácil e confortável ter ficado calada e omissa — mas não sou esse tipo de mulher.

Ele ainda tentou dizer que eu “não entreguei resposta nenhuma”, como se minha ausência imediata de reação fosse sinal de fraqueza ou incoerência. Isso revela uma lógica profundamente neoliberal: a ideia de que tudo precisa ser instantâneo, performado e “respondido” no tempo da internet — ainda que seja vazio. Mas eu não sigo essa lógica. Eu penso antes de falar. Eu construo antes de atacar. O que eu entreguei foi um discurso crítico, denso e bem elaborado — não para ganhar curtidas, mas para gerar reflexão política. Não entreguei uma resposta rápida, entreguei uma resposta honesta. E ele, que diz defender o pensamento crítico, mostrou que só respeita esse pensamento quando ele o favorece.

No fim, ele mostrou exatamente quem é. Alguém que diz defender mulheres, mas não suporta quando uma mulher pensa por si. Alguém que fala em antifascismo, mas perdoa fascistas por conforto emocional. Alguém que se diz sensato, mas usa a dor alheia como arma retórica. Tudo isso porque eu não segui o script que ele esperava de mim: o da mulher que abaixa a cabeça, que aceita tudo em nome da "paz", que escolhe o silêncio para manter as aparências. E essa mulher eu nunca fui — e jamais serei.

Tudo que eu expus aqui não parte de mágoa pessoal, mas de responsabilidade política. O que foi feito comigo — desde a tentativa de silenciamento, a exposição de traumas pessoais, a distorção de posicionamentos e o uso do meu passado como arma — revela o quanto algumas pessoas estão dispostas a abandonar princípios em nome da autoproteção emocional e do conforto nas relações. Minha crítica nunca foi sobre atacar indivíduos, mas sobre apontar comportamentos que reforçam o neoliberalismo disfarçado de empatia. E, principalmente, denunciar a complacência com o fascismo, que foi normalizada e justificada com desculpas frágeis.

Eu fui acusada de não ser feminista, de ser falsa, hipócrita, manipulada. Tudo isso porque mantive uma postura firme e recusei participar da encenação do “paz e amor” enquanto o fascismo avança. Criticar uma mulher por sua posição política não é machismo — é consequência da luta coletiva. O que me atacaram foi justamente por não caber no papel da mulher passiva, submissa e emocionalmente controlada. Eu não aceito mais esse molde. E se pensar com autonomia, criticar com firmeza e recusar silenciar diante da incoerência me faz incômoda, então estou no caminho certo.

Não devo nada a quem espera minha omissão para se sentir seguro. Se hoje exponho tudo isso, é porque carrego o compromisso de manter a integridade com quem me escuta, com quem acredita na luta real — e comigo mesma. Não espero aprovação, aplauso nem compreensão de quem escolheu o lado da conveniência. Mas quem precisar de referência para lembrar que é possível resistir com coragem, aqui estou. Continuo de pé, crítica, lúcida, e do lado certo da história.

VIII.

Agora é necessário nos aprofundarmos em uma figura que já apareceu anteriormente neste ensaio e que, infelizmente, se mostrou cada vez mais alinhada com uma lógica neoliberal disfarçada de sensibilidade. Estamos falando da pessoa que alegou ter perdoado o nazista por estar com a saúde mental abalada. E aqui é importante fazer uma distinção: sim, ela está passando por um momento difícil, e isso não está sendo negado. Não se trata de invalidar sua dor — mas de afirmar que dor pessoal não pode justificar omissão política.

A saúde mental é uma pauta séria e deve ser tratada com cuidado, mas não pode ser usada como escudo para justificar alianças perigosas ou a relativização de posturas fascistas. Ao perdoar um nazista com base no próprio desgaste emocional, o que ela fez foi individualizar uma questão que é estrutural. O fascismo não é uma ofensa pessoal que se supera com empatia — ele é uma ideologia de extermínio que se enfrenta com posicionamento. A dor pessoal é legítima, mas não é critério para abdicar da luta coletiva.

O que vimos, na verdade, foi a manifestação de um comportamento típico do feminismo liberal: o uso da vivência individual para silenciar críticas políticas, como se questionar a escolha de perdoar um fascista fosse um ataque direto à existência dela como mulher. Mas isso não é verdade. A crítica que fiz — e continuo fazendo — é contra a atitude. Contra o ato político de estender a mão a quem trabalha ativamente para destruir nossos espaços, nossos corpos e nossas vidas. E, sim, é possível estar fragilizada e ainda assim ser responsável pelas decisões que toma. O antifascismo não se negocia — se sustenta, mesmo quando dói.

Outro ponto que precisa ser abordado com honestidade é a presença dessa mesma figura na manifestação da Paulista contra a escala 6x1. Ela esteve lá, sim — mas não para somar de fato à luta. Foi vista carregando uma plaquinha, tirando fotos e mantendo-se em silêncio enquanto outros góticos presentes gritavam, protestavam, se posicionavam com firmeza. A presença dela foi puramente performática, mais voltada para registro estético do que para participação ativa na construção de qualquer resistência concreta.

Esse tipo de atitude revela um padrão que já se manifestou em outros momentos: a busca por reconhecimento social dentro da cena alternativa sem um real compromisso político por trás. Estar em um protesto não é sobre "marcar presença" para story — é sobre se indignar, se posicionar, se engajar. Não basta estar fisicamente no local se a alma, o corpo e a voz estão ausentes. Em um momento em que trabalhadores estavam ali exigindo condições mínimas de dignidade, o mínimo que se esperava era ação — e não mais uma foto bonita para ilustrar um feed engajado.

A verdade é que muitas pessoas ali notaram sua passividade. E não se trata de julgar quem tem limitações pessoais ou emocionais — se trata de expor a incoerência de quem quer o status de revolucionária sem a disposição de se comprometer com o mínimo da prática política. Ir a uma manifestação e não abrir a boca, não conversar com ninguém, não contribuir em nada, mas sair com fotos bem posicionadas, é fazer da luta um figurino e do protesto uma estética vazia.

Essa mesma lógica performática é a que sustenta o feminismo liberal que ela vem praticando: um feminismo de imagem, de narrativa pessoal, de autoproteção, mas que falha completamente quando se trata de encarar o conflito real. E, infelizmente, o antifascismo, o enfrentamento ao capitalismo e a defesa de direitos não se fazem com plaquinhas isoladas — se fazem com ação coletiva, postura firme e disposição para ir além do visual. Quem luta de verdade é notada não pela estética que carrega, mas pela voz que se junta à multidão — e essa, ela escolheu não usar.

Outro ponto que precisa ser trazido à tona é o fato de que ela levou um amigo para a manifestação — o que, em si, não seria um problema, se não fosse pelo detalhe gritante de que esse amigo estava vestindo uma camisa do Marilyn Manson. E aqui não estamos falando de julgamento superficial sobre gostos pessoais, mas de uma falha grave de consciência política dentro da própria subcultura alternativa. Marilyn Manson é uma figura amplamente denunciada por estupro, tortura e escravização de mulheres — e quem se diz minimamente engajado dentro do meio alternativo deveria saber disso.

É no mínimo contraditório que alguém que alega estar em sofrimento emocional profundo, supostamente fragilizada por ataques, leve consigo para uma manifestação política alguém estampando o rosto de um abusador notório. Isso mostra o quanto essa presença foi mais uma vez performática, descolada de qualquer reflexão crítica real sobre os símbolos que carrega e defende. Como se pode clamar por empatia e acolhimento enquanto caminha ao lado de um símbolo de violência sexual contra mulheres? Isso não é só incoerente — é um reflexo do quanto ela não está preparada para sustentar os compromissos políticos que diz representar

Vamos ser claras: não estamos mais falando de alguém fragilizada emocionalmente — estamos falando de alguém que está fingindo. A alegação de que teria ido ao hospital por conta de estresse causado pelas redes sociais simplesmente não se sustenta diante das atitudes que ela mesma vem tomando. Se tivesse realmente sido atendida por um quadro de colapso nervoso, qualquer profissional da saúde recomendaria afastamento imediato das redes sociais e de ambientes cheios. E o que ela fez? Voltou para as redes no mesmo dia, foi à manifestação da Paulista, tirou fotos, se expôs. Ou seja, tudo indica que essa história de hospital foi uma tentativa de gerar comoção e fugir de qualquer responsabilização política.

Essa postura é gravíssima. Porque usar a saúde mental como álibi emocional para perdoar fascista, evitar crítica e desviar o foco é uma forma desonesta e perigosa de manipulação. Ela não quer reconhecer que errou. Ela quer transformar sua escolha individual em drama coletivo. Quer que a atenção seja desviada da crítica política e redirecionada para o seu suposto sofrimento — que, sejamos honestas, tudo indica que foi fabricado. Isso não é fragilidade, isso é estratégia. E uma das mais baixas: se colocar no lugar de vítima para escapar do peso de ter sido conivente com o fascismo.

Ela tem dito que está havendo uma “rivalidade” dentro da subcultura gótica, como se estivéssemos vivendo uma disputa pessoal, rasa e baseada em ego. Mas precisamos entender que em um mundo capitalista, as rivalidades são fabricadas sistematicamente para enfraquecer laços de solidariedade e luta coletiva. O capitalismo alimenta disputas para que o foco não seja no sistema, mas nos corpos oprimidos entre si. No entanto, o que está acontecendo aqui não é rivalidade — é enfrentamento político. E quem tenta reduzir esse embate a drama interpessoal está, intencionalmente ou não, apagando a gravidade do que está em jogo.

O que ela chama de “rivalidade no gótico” nada mais é do que pessoas que se recusaram a deitar para nazista. Isso não é uma briga por protagonismo ou atenção — é um limite político, ético e necessário. Não foi uma disputa por espaço ou estética, como infelizmente já vimos acontecer dentro da cena. Foi uma escolha clara de não compactuar com o avanço do fascismo. Chamar isso de rivalidade é desonesto, porque tenta colocar no mesmo nível quem lutou para manter a coerência antifascista e quem optou por relativizar o inimigo para preservar sua imagem ou zona de conforto.

O verdadeiro problema não foi uma divisão entre “góticos rivais”, e sim o fato de alguns góticos terem escolhido perdoar fascistas na primeira oportunidade. A ruptura que aconteceu não é fruto de vaidade — é fruto de coragem. Quem tomou a decisão de não se alinhar ao fascismo agiu com integridade. Quem chama isso de rivalidade tenta despolitizar o embate para suavizar sua própria escolha. Mas o que está em jogo aqui não é estética, ego ou drama — é a responsabilidade de manter a subcultura gótica livre de discursos genocidas. E isso não se negocia.

IX.

Justo quando eu achava que esse ensaio estava finalmente encerrado, veio a enxurrada de stories — todos publicados por aquele mesmo ex-camarada. Ao ler, confesso, mexeu comigo. Não foi tristeza, porque eu já esperava qualquer coisa depois daquele espetáculo melodramático em que ele dizia, com ar de vítima, que eu era a amiga querida que havia escolhido o lado do antifascismo “com garras e dentes”. Mas ainda assim, causou impacto. Agora, mais centrada e com o distanciamento necessário, sinto que posso voltar a esse episódio com a base argumentativa firme que ele merece — não pela figura dele em si, mas pelo que ela representa dentro de todo esse contexto político.

O que ele fez foi, sem dúvida, um dos argumentos mais baixos que alguém poderia usar. Ele expôs conversas privadas minhas de uma época em que eu era trabalhadora sexual. Não tenho problema algum em admitir isso — tenho orgulho da mulher que sou hoje e da jornada que trilhei até aqui. Mas ele sabia o que aquilo significava para mim. Sabia que aquele período foi profundamente traumático, que eu enfrentava dificuldades financeiras severas e que, embora nas mensagens eu parecesse descontraída, por dentro eu estava emocionalmente abalada. E mais: ele era uma das poucas pessoas em quem eu confiava naquele momento.

Ver aquilo sendo exposto me afetou. Não apenas pela violação da minha privacidade, mas pelo nível de crueldade envolvido. Ele sabia que estava tocando em um dos pontos mais delicados da minha história, e ainda assim escolheu usar isso como arma. Se em algum momento eu tive receio de chamá-lo de covarde, agora não tenho mais. Ele foi covarde. E foi, acima de tudo, falso — fingiu empatia, se apresentou como aliado, mas não hesitou em me atacar quando lhe pareceu conveniente.

Esse episódio apenas confirma o que tantas de nós já sabemos: se um homem cisgênero sentir que precisa destruir completamente uma mulher para se sentir minimamente superior, ele fará isso. Mesmo que precise reabrir os maiores traumas da vida dela, mesmo que precise humilhá-la publicamente, mesmo que um dia tenha sido alguém próximo. Ele fará — e se sentirá um semideus ridículo por conseguir. Porque, no fundo, essa é a lógica da masculinidade tóxica: esmagar para dominar.

Eu estava completamente à vontade nas conversas com ele. Éramos amigos íntimos, inclusive, tínhamos uma amizade colorida. Não entrarei em detalhes, porque isso não é o foco, mas é importante deixar claro: ele sabe o que houve entre nós. Fingir que nada disso existiu é mais uma tentativa de reescrever a história para se proteger e inverter os papéis. É desonesto. E ele sabe disso.

Um dos ataques mais absurdos que ele fez foi afirmar que eu “usei estética gótica para vender meus conteúdos”. Essa acusação, além de mentirosa, é profundamente mal-intencionada. Em nenhum momento da minha vida eu instrumentalizei a subcultura gótica dessa forma. Essa afirmação não se sustenta nem nos fatos, nem na minha trajetória. Ele sabe disso, mas escolheu mentir para tentar deslegitimar quem eu sou — como mulher, como alternativa e como criadora.

A verdade é que usar um delineado preto e um batom escuro não significa, por si só, apropriação de uma estética. A subcultura gótica é muito mais do que maquiagem: ela é história, é política, é vivência. Reduzir toda essa complexidade a uma caricatura que ele inventou para me atacar é ofensivo não só a mim, mas à própria cultura alternativa que ele diz fazer parte. É uma tentativa de criar um argumento onde não existe nenhum — apenas ressentimento e desejo de humilhação pública.

O que ele tentou fazer foi manipular a narrativa para me transformar em algo que eu nunca fui, usando meias-verdades, distorções e mentiras explícitas para justificar um ataque pessoal. E tudo isso porque ele perdeu o controle sobre a imagem que queria manter — e, diante da minha firmeza política, decidiu partir para o ataque mais baixo: o da moralização e do apagamento.

Um dos erros mais grotescos desse story é o argumento que está justamente na forma como você entende (ou escolhe não entender) o que é um grupo social oprimido. Você reduz esse conceito a meia dúzia de mulheres que estavam do seu lado em uma briga, como se “grupo oprimido” fosse um coletivo afetivo temporário, e não uma categoria histórica e política. Não é assim que se define um grupo oprimido dentro das ciências sociais, nem dentro de qualquer base teórica feminista séria.

O grupo social das mulheres não se define por afinidade, por laços emocionais ou por estar magoada numa discussão. Ele é um grupo historicamente constituído, atravessado por relações de poder que subordinam todas as mulheres (em graus e formas diferentes, claro), com base no patriarcado, na divisão sexual do trabalho, no controle dos corpos e na violência sistemática. Não é uma panelinha, não é um conjunto de amigas. É uma estrutura de opressão.

Além disso, sua confusão entre “indivíduo mulher” e “grupo social mulher” mostra que você está completamente alheio ao debate teórico. Quando dizemos que o feminismo precisa se voltar ao grupo social das mulheres, isso não significa ignorar mulheres individualmente, e sim não transformar cada vivência pessoal em bandeira universal. Significa que, ao invés de proteger uma mulher só porque ela é mulher, olhamos para o que ela faz politicamente enquanto mulher, e se suas ações fortalecem ou enfraquecem o coletivo. Uma mulher pode ser parte do grupo oprimido e ainda assim reproduzir opressão — como foi o caso daquela que perdoou um fascista.

Portanto, não: não foi um “grupo oprimido” que você defendeu. Você usou o termo pra proteger algumas mulheres que foram politicamente criticadas, fingindo que estavam sendo atacadas por existirem enquanto mulheres. Isso é instrumentalização do feminismo. É fingir que entende teoria pra encobrir misoginia, manipulação e uma tentativa patética de invalidar uma crítica política com o apelo do vitimismo coletivo. Mas o feminismo de verdade enxerga isso de longe — e não cai nessa encenação.

É fundamental deixar claro que ninguém está desmerecendo ou ignorando a gravidade da saúde mental. Muito pelo contrário — sabemos que saúde mental é uma pauta urgente, real e coletiva. Muitas de nós, inclusive, atravessamos episódios difíceis relacionados a isso. Mas o ponto central da crítica não é a legitimidade do sofrimento, e sim o uso do sofrimento emocional como justificativa para decisões políticas que colocam em risco uma coletividade. O problema não é sentir, é transformar esse sentir em álibi para proteger quem foi conivente com discursos fascistas.

Não se trata de psicofobia nem de frieza. A crítica é direcionada ao deslocamento da responsabilidade política para o campo da fragilidade individual, como se cansaço emocional suspendesse qualquer dever ético ou coletivo. Isso é uma armadilha perigosa — porque coloca o debate sobre o fascismo num lugar de subjetividade, onde tudo vira questão de “sentir ou não sentir”, e não de coerência com a luta. E essa lógica não é apenas despolitizante, ela é, essencialmente, neoliberal.

O que estamos vendo é uma tentativa de transformar o antifascismo em uma escolha de conveniência emocional. Como se fosse possível abandonar a crítica e o enfrentamento em nome de uma paz interna momentânea. Isso não é prática antifascista. Isso é sobrevivência individual travestida de empatia. E dentro de uma cena alternativa que sempre se construiu sobre crítica, confronto e subversão, esse tipo de atitude é um desserviço. A saúde mental precisa ser protegida, sim — mas não às custas da nossa integridade política.

Perdoar um fascista não é uma resposta emocional neutra. É uma escolha com impacto social, simbólico e político. E quem escolhe esse caminho precisa ter maturidade para lidar com as consequências. Porque enquanto você opta por proteger a sua paz, alguém do outro lado — especialmente os corpos marginalizados que esse fascismo atinge — continua sendo alvo da mesma violência. Fingir que o fascismo pode ser perdoado em nome do bem-estar individual é um luxo que muita gente não pode se dar.

Não se trata de “fiscal de gótico” ou de “perda de carteirinha”. Isso é uma tentativa infantil de desviar o foco. O que está em jogo é a responsabilidade coletiva de manter nossos espaços politicamente coerentes, seguros e combativos. O que se critica é a escolha de colocar vínculos pessoais e estabilidade emocional acima do enfrentamento ao fascismo. E isso, queira ou não, é uma forma de traição política — não a um grupo de amigas, mas a toda uma história de resistência que a cena alternativa deveria carregar com orgulho.

O equívoco central dessa defesa é acreditar que o neoliberalismo é apenas um conjunto de ideias explícitas, vinculadas exclusivamente à direita tradicional, à defesa da propriedade privada ou a posturas ultrarreacionárias. Esse pensamento revela uma visão simplista e ultrapassada do neoliberalismo. Na realidade, o neoliberalismo contemporâneo se sofisticou — ele opera, principalmente, através da linguagem da esquerda, dos afetos, das identidades, das causas progressistas. Ele não precisa mais declarar que é neoliberal: ele se esconde em discursos de empatia, de saúde mental, de “cura emocional”, de paz e diálogo. E justamente por isso é tão perigoso.

Não basta ser contra o 6x1 ou dizer que é a favor da igualdade de gênero para deixar de ser atravessado por lógicas neoliberais. O neoliberalismo é uma racionalidade política que penetra em todas as esferas da vida. Ele se manifesta, por exemplo, quando transformamos conflitos políticos em dramas individuais. Quando justificamos omissões com base no “meu emocional não aguenta mais”. Quando acreditamos que o nosso bem-estar subjetivo está acima da responsabilidade coletiva. Quando transformamos a política em performance e engajamento. Esses comportamentos — mesmo que disfarçados de boas intenções — são expressões diretas da lógica neoliberal.

Outro ponto é achar que, por ter sofrido na escola, por ter sido marginalizado por ser LGBT+, por usar calça colorida ou apanhar de bolsonarista, isso automaticamente te coloca fora do neoliberalismo. Essa é uma falácia. O neoliberalismo não se define por quem te agrediu ou por quanto você já sofreu, mas sim por como você age politicamente diante das estruturas. Ser vítima do sistema não impede ninguém de reproduzir esse mesmo sistema depois. Aliás, é assim que ele sobrevive: usando nossas feridas para construir discursos individualistas que esvaziam a potência da luta coletiva.

A questão não é se você defende bandeiras populares. É se você as transforma em práticas revolucionárias ou apenas em discurso. O neoliberalismo adora gente que fala bonito sobre revolução, mas que, na hora do conflito, escolhe a paz pessoal ao invés da ruptura política. Gente que prefere perdoar fascista para não se indispor, que diz que está cansada demais para se posicionar, que usa o sofrimento individual como desculpa para não romper com a violência coletiva. Isso é neoliberalismo disfarçado de empatia — é o neoliberalismo da esquerda afetiva, da esquerda que se acomoda, que negocia, que concilia.

Dizer que é “favor do fim da propriedade privada” ou que “conscientiza sobre classe” não quer dizer nada se, na prática, suas ações favorecem a manutenção da ordem e do status quo. O neoliberalismo não é uma carteirinha ideológica que você rasga quando defende uma pauta progressista. Ele é um modo de funcionamento. E ele se manifesta, por exemplo, quando você reduz a luta de classes a uma estética pessoal, ou quando transforma sua dor em justificativa para proteger quem colaborou com ideologias violentas. O neoliberalismo opera exatamente assim: adaptando a linguagem da resistência para desarmá-la por dentro.

E essa adaptação é sutil. O neoliberalismo hoje ocupa coletivos, invade espaços alternativos, simula militância. Ele é o motivo pelo qual marcas fazem propaganda com bandeiras LGBT+ enquanto exploram trabalhadores. É o que transforma o feminismo em slogan de camiseta e a saúde mental em desculpa para evitar rupturas incômodas. Ele existe exatamente onde ninguém acha que ele está: nas boas intenções, nos discursos moderados, nas reações emocionais que apagam o conflito político. A luta contra o neoliberalismo exige vigilância constante, inclusive sobre nossos próprios comportamentos.

A crítica a você não é por dizer que é contra o capitalismo. É por agir de forma a perpetuar a lógica dele. Por proteger relações pessoais em vez de proteger a integridade política da cena. Por usar experiências pessoais reais e dolorosas para justificar a complacência com quem já esteve ao lado do fascismo. E isso, meu caro, é o modus operandi perfeito do neoliberalismo contemporâneo: ser progressista na teoria, mas conservador na prática. E é justamente isso que está sendo criticado.

Reconheço que, em momentos anteriores, fui tomada pela raiva e utilizei palavrões em algumas respostas. Isso não foi a melhor escolha, e não tenho problema em admitir. Mas é importante entender o contexto: naquele instante, eu estava profundamente abalada com a conivência diante do fascismo, a exposição de partes sensíveis da minha história e o silenciamento das minhas críticas políticas. Minha resposta foi visceral porque o que estava em jogo era sério demais para a neutralidade emocional. Quando a dignidade é ferida, quando a memória política é desrespeitada, às vezes o ódio não é apenas compreensível — ele é necessário.

Ainda assim, minha resposta não se limitou à emoção. Tanto é que estou aqui, dias depois, escrevendo um ensaio com mais de 14 mil palavras, com base teórica, articulação política e embasamento histórico. Transformei a raiva em análise. O que começou como um grito por justiça virou um documento político. Se eu não tivesse me importado com o que estava em jogo, teria seguido em silêncio. Teria deixado o assunto morrer no algoritmo. Mas não. Eu escolhi escrever, estudar, fundamentar. Isso é o que diferencia uma explosão de raiva de uma denúncia séria e consciente.

É comum, dentro de contextos machistas e autoritários, que se peça às mulheres calma, neutralidade, um tom doce para que sejam levadas a sério. Mas a história mostra que as mulheres nunca avançaram apenas com voz mansa — muitas vezes, foi com grito, com fúria e com ousadia. A raiva feminina é tratada como histeria justamente porque é temida. Porque quando é politizada, ela vira motor de ruptura. E foi isso que eu fiz: usei minha raiva como combustível para desenvolver um texto comprometido com a verdade, com a justiça e com a ética revolucionária.

Portanto, querer deslegitimar toda a minha crítica com base no uso de palavrões é, no mínimo, superficial. Não foram os palavrões que tornaram a crítica forte — foi a coerência, a profundidade, o compromisso com a coletividade. Os palavrões foram um reflexo do que eu senti no momento, mas o conteúdo segue em pé. Ignorar o que está sendo dito porque não gostou do tom é uma forma cômoda de fugir do debate. É preferir o conforto da forma à dor do conteúdo. E isso, convenhamos, é um vício neoliberal: colocar a estética acima da política.

No fim das contas, o que importa não é se eu falei “com calma”, mas se o que eu disse é verdadeiro. E o que eu disse é: perdoar fascista em nome da paz emocional é uma escolha política, e ela precisa ser confrontada. Não importa se isso foi dito com doçura ou com fúria — o que importa é o que isso revela. E se você está mais preocupado com o tom da minha voz do que com o teor da minha denúncia, talvez o problema não seja como eu falei, mas o quanto minha crítica te atingiu.

É profundamente irônico que você venha agora questionar minha postura política com base no meu passado como trabalhadora sexual. O que você tenta fazer, ao insinuar incoerência entre minhas críticas à hipersexualização e meu histórico, é aplicar um julgamento moral travestido de análise política. E isso não é novo — é só mais uma forma refinada de misoginia. Nunca me coloquei contra a sexualidade das mulheres. O que sempre critiquei é a forma como o sistema transforma nossos corpos em objetos para consumo, muitas vezes sem nossa vontade ou autonomia.

Se existe alguém aqui sendo moralista, é você. Você diz que respeita o trabalho sexual, mas só enquanto ele estiver distante de quem te incomoda. No momento em que eu decidi romper com sua postura complacente com o fascismo, você passou a usar minha história como arma. Não há crítica teórica aí, só retaliação pessoal disfarçada de debate. É exatamente esse tipo de comportamento que mostra o quanto você odeia trabalhadoras sexuais, embora finja que não. Sua acusação não é sobre coerência ideológica — é sobre controle.

A estética gótica, ao contrário do que você insinua, não é uma propriedade sua, nem tampouco uma linguagem pura a ser protegida dos corpos que a vivem com autonomia. Eu não usei a estética gótica para “me promover” — eu sou parte da cena. O que você está fazendo é tentar expulsar uma mulher que ousou existir em liberdade. E, nesse processo, você repete exatamente os discursos que nos reprimem. Não é “proteger a subcultura” quando se ataca uma mulher por ter sobrevivido em um sistema que oferece poucas alternativas. Isso é conservadorismo disfarçado.

Você precisa entender que não há contradição em uma mulher que já fez conteúdo adulto defender a crítica à hipersexualização imposta pelo patriarcado. Uma coisa é o uso autônomo do corpo. Outra, completamente diferente, é a objetificação forçada por uma sociedade misógina. Quando você não diferencia uma da outra, não só reforça o machismo, como também se alia, mesmo sem perceber, ao discurso que diz que mulheres com passado “marcado” devem se calar. E isso, você querendo ou não, é parte da estrutura que o Estado agradece por manter.

Revelar o nome verdadeiro de uma mulher em meio a um conflito político não é um erro inocente — é uma forma de violência. Quando essa pessoa expôs meu nome, Lorena, ela sabia exatamente o que estava fazendo: tentou me ferir, me desestabilizar, me reduzir a uma identidade que escolhi preservar em determinadas esferas. Não tenho vergonha do meu nome, mas ele me foi arrancado como quem arranca uma camada de proteção para atacar. Isso não é debate — é covardia.

Essa atitude expõe uma prática muito comum entre aqueles que não conseguem sustentar a política na base das ideias: recorrem à vida íntima das mulheres como arma. Expôr nome, histórico, momentos de vulnerabilidade — tudo isso para tentar neutralizar o incômodo de uma mulher que ousa confrontar, se posicionar, não ceder. Foi uma tentativa clara de silenciamento. Mas eu não vou me calar. Sou Lorena, e meu nome não é uma arma contra mim — é um corpo que resiste.

Essa pessoa não debateu ideias, ela recorreu à tática patriarcal mais antiga que existe: atacar a mulher por quem ela foi, pelo que fez, pelo que viveu. Isso é misoginia travestida de argumento. Isso é o medo da mulher que se levanta com clareza política, que não aceita a conciliação com fascismo, que não se curva à paz que protege o opressor. A exposição do meu nome não revela quem eu sou — revela quem ela é: alguém sem ética, sem compromisso coletivo e sem coragem para encarar a radicalidade de uma mulher em luta.

E é por isso que sigo. Porque cada vez que tentam me calar, reafirmam o quanto minha voz é necessária. Expor meu nome não me enfraquece, me arma. Mostra que o que incomoda não é minha linguagem, minha postura ou minha história — é a ameaça que represento para quem ainda quer manter estruturas velhas de opressão dentro de espaços que fingem ser seguros. E a esses, eu digo: vocês podem tentar me atingir, mas sou feita de cicatriz e enfrentamento. Lorena continua. E continua com raiva, com razão e com luta.

X.

O que ficou evidente ao longo de todo esse processo — e que este ensaio tenta escancarar — é que há uma crise ética profunda dentro dos meios alternativos. Uma crise onde estética se sobrepõe à política, onde laços pessoais são protegidos em detrimento da luta coletiva, e onde palavras como “antifascismo”, “feminismo” e “consciência” são usadas como verniz para esconder conivência, covardia e alianças silenciosas com o opressor. O que está em jogo aqui não é apenas um conflito entre pessoas — é um conflito entre projetos de mundo. Entre quem acredita na transformação radical da realidade e quem se acomoda em discursos vazios para manter sua imagem limpa enquanto o fascismo cresce pelas bordas.

É necessário dizer com todas as letras: não há antifascismo possível com perdão ao fascismo. Não há luta coletiva possível quando o bem-estar individual é usado como desculpa para abandonar o enfrentamento. Não há transformação estrutural quando se apaga a política em nome da harmonia. E não há feminismo quando mulheres que se posicionam são deslegitimadas com base em seus traumas, passados ou formas de expressão. Isso não é cuidado — é manutenção do status quo. É o neoliberalismo infiltrado nas lutas populares, domesticando a revolta, apaziguando a insatisfação, drenando a potência da crítica.

O que é necessário agora — e sempre foi — é retomar a radicalidade daquilo que defendemos. Isso significa escolher o lado certo mesmo quando ele é desconfortável. Significa romper com vínculos que protegem fascistas, com discursos que silenciam dissidências e com espaços que toleram machismo, transfobia, racismo, elitismo ou moralismo disfarçado de coerência. Significa entender que antifascismo não é slogan: é prática cotidiana, é gesto coletivo, é coragem de não ceder, mesmo quando estamos cansades, solitáries ou machucades. A neutralidade é uma mentira que protege quem tem mais a perder com a justiça.

Este ensaio não é um desabafo — é uma denúncia política. É a exposição de como o fascismo se camufla, de como o neoliberalismo afeta até mesmo quem jura estar contra ele, e de como mulheres radicais continuam sendo atacadas por ousarem existir com força, autonomia e pensamento crítico. É também uma convocação: para que não aceitemos mais o perdão como ferramenta de apagamento, nem a empatia seletiva como disfarce de traição política. Que saibamos reconhecer nossos erros, sim — mas que saibamos sobretudo escolher com quem andamos e a quem protegemos, porque essas escolhas dizem tudo sobre a luta que travamos.

E que fique marcado: não vamos esquecer. Não vamos fingir que nada aconteceu. Não vamos relativizar aquilo que deve ser combatido com toda a nossa força. A cena alternativa, o feminismo e o antifascismo merecem mais do que performance — merecem ação. E a ação começa quando paramos de chamar de aliade quem está, na prática, ao lado do inimigo. Quem expõe, silencia, relativiza e manipula não está confuso — está posicionado. E agora, mais do que nunca, é hora de mostrar que nós também estamos. Do lado da verdade, da memória, da justiça e da revolução.